Salões, estéticas, barbearias e esmalterias foram alguns entre os tantos fortemente impactados pela enchente que atingiu o Rio Grande do Sul no último mês. Empreendedores de diferentes regiões do Estado vinham buscando recuperar os prejuízos econômicos provocados pela pandemia de covid-19. Quando menos esperavam, viram os negócios serem invadidos pela água.
O Sindicato dos Salões de Barbeiros, Cabeleireiros, Institutos de Beleza e Similares no Rio Grande do Sul (Sinca-RS) abriu um canal para conseguir mapear e centralizar os pedidos de ajuda. Conforme a entidade, mais de 2 mil profissionais, entre autônomos e proprietários de salões, preencheram um formulário declarando que foram duramente atingidos e que precisam de auxílio para retomar as atividades. A cada dia, em média, cem novos pedidos são abertos.
De volta ao trabalho
No centro de São Leopoldo, a cerca de três quadras do Rio dos Sinos, está localizada a Estética Sunshine, que conta com 10 profissionais. No estabelecimento, o nível da água chegou na altura das pernas e impossibilitou a continuidade do funcionamento pela falta de recursos básicos.
— Nós ficamos basicamente três semanas sem trabalhar. Eu estava me preocupando com as colegas também, porque todo mundo precisa trabalhar. Só que a água não baixava, não voltava a luz e a água, então não podia — aponta Rafaela Silveira, cabeleireira há nove anos e proprietária da estética.
O município do Vale do Sinos está entre os 469 afetados pela enchente, de acordo com os dados da Defesa Civil Estadual. Tão logo tomou conhecimento sobre a possibilidade de inundações na região, Rafaela correu para o salão para salvar equipamentos de fácil locomoção, como secadores, chapinhas, babyliss, maquiagens, tesouras, escovas de cabelo, entre outros. No entanto, foi preciso deixar os móveis para trás.
— Basicamente, todos os móveis estragaram. O piso vinílico ficou cinco dias embaixo d'água, então estragou tudo. Foi horrível, ninguém esperava que isso fosse acontecer. Mas eu nem posso reclamar que eu perdi, tendo em vista a situação de outras colegas. Perdi os móveis, mas isso nós vamos trocando devagarinho — conta Rafaela, que considera que teve sorte por conseguir recuperar algumas poltronas, suas lavadoras, pressurizadores e a geladeira da estética.
Com o recuo da água e o processo de limpeza, foi possível retornar os atendimentos. Para tentar reverter o prejuízo de três semanas sem funcionamento e incentivar a ida de clientes nesta retomada, o estabelecimento estendeu a promoção de Mês das Mães até junho. Estão sendo oferecidos combos com valores especiais e no estilo faz um, ganha outro. A estética também abrirá na próxima quinta-feira (30), feriado de Corpus Christi.
— Nós não sabemos como vai ser nos próximos dias, meses, então ficamos com medo de fazer um investimento e o trabalho não voltar como era antes. Nós temos uma média de quanto fazemos por semana, quanto é possível guardar, o que eu posso fazer, o que eu não posso, mas agora ficou tudo meio incerto — reflete Rafaela.
Ajuda de outros profissionais
A profissional da área da beleza Nubia Melo, proprietária da Nubia Melo Estética & Micropigmentação, teve o empreendimento e a casa, ambos localizados no bairro Humaitá, na zona norte de Porto Alegre, completamente alagados. Ela diz que sobraram apenas as paredes do negócio, que montou há sete anos. Entre móveis e equipamentos, não foi possível salvar praticamente nada:
— É um espaço que eu consegui proporcionar trabalho para outras pessoas. Vamos construindo com muito esforço. Ali tem investimento de uma vida. Nesses sete anos, eu trabalhei investindo ali dentro, botando móveis, fazendo cursos, materiais de maquiagem caros, materiais de micropigmentação.
Já são 25 dias de portas fechadas, sem conseguir retornar para a estética — nem para iniciar o processo de limpeza —, já que, na região, a água ainda não foi completamente escoada. Diante da impossibilidade de permanecer tantos dias sem a sua fonte de renda, Nubia começou a procurar formas de voltar ao trabalho, mas foi na solidariedade que encontrou alternativas.
— Um colega muito querido, que também teve o salão alagado, chamou-me dizendo que onde ele estava tinha uma profissional querendo doar um material de maquiagem. Conversando, enquanto me doava as coisas, ela me disse que iria me apresentar para a dona de um salão. Fui para o local, me falaram: "Pode ficar tranquila. Atende as tuas clientes aqui" e me deixou disponível toda a estrutura. Casualmente, alguém que eu também não conhecia soube da minha necessidade e me emprestou todo o material, como tesoura, secador, escova e com isso, comecei a divulgar o meu endereço provisório — conta Nubia.
Atualmente, a cabeleireira está alojada na casa de uma cliente e realizando os seus atendimentos na Estética Visualité Dom Pedro, no bairro Higienópolis, na Capital. Nesse meio tempo, ela busca reparar os danos em sua própria residência e avalia como será a retomada do seu espaço físico:
— Eu fiquei muito feliz, isso me deu uma luz. Pra mim, estava tudo obscuro, eu não tinha uma saída. Através de pessoas que eu não conheço, nem conhecia, de lugares diferentes, as portas foram se abrindo. Isso foi tão emocionante, pessoas que nem te conhecem, te chamarem: "Olha, eu tenho material aqui pra ti começar."
Espaço aberto ao colegas
As perdas não se limitaram apenas àqueles locais em que a água entrou. A chuva também dificultou o acesso e provocou falta de energia elétrica e água por vários dias em diferentes regiões, impossibilitando o funcionamento do comércio e do setor de serviços.
A Estética Raffinata, localizada na Avenida Venâncio Aires, em Porto Alegre, não foi atingida pela enchente. Contudo, precisou ficar 15 dias fechada em razão da falta de recursos essenciais.
— É uma situação bastante complicada, porque nós temos um planejamento que não contempla 15 dias sem faturamento. Mas, mais do que isso, o impacto emocional diante da tragédia foi muito grande. Embora os profissionais não tenham sido afetados diretamente, parte de seus familiares e amigos foram — declara Luciano Fontana, sócio proprietário do local.
Os 15 profissionais que atuam na estética conseguiram voltar a atender o público no dia 18 de maio. Com a reabertura, o salão colocou os materiais e a estrutura física à disposição de trabalhadores que também ficaram impedidos de exercer as suas atividades, com a possibilidade de repasses menores ao salão. Até o momento, a Estética Raffinata está recebendo duas pessoas que foram diretamente atingidas pela cheia.
— É uma situação muito difícil para setor porque, primeiramente, muitas estruturas físicas ainda estão debaixo d'água, outras que estão no processo de limpeza. Isso que nos motivou de colocarmos a nossa estrutura física à disposição de profissionais e gestores da área para poderem continuar exercendo as suas atividades até que o seu espaço seja restabelecido — diz Fontana.
Corte solidário
A Estética Raffinata é composta por microempreendedores individuais parceiros, que têm liberdade para estabelecer critérios próprios nos atendimentos. Desta forma, Camila Morales, cabeleireira e gerente do local, deu início à ação de corte de cabelo solidário. A cada dois quilos de alimento não perecível doados por um cliente, é oferecido 50% de desconto no procedimento. Segundo ela, a iniciativa surgiu após atuar como voluntária em um dos abrigos da Capital.
— É um jeito de fazer algo, da nossa forma. É uma forma de doar um pouco de amor, um pouco de carinho, e contribuir para a cliente ficar com a autoestima mais elevada. Queremos incentivar que outros profissionais também façam isso — afirma Camila.
Como ajudar o setor
O Sinca-RS afirma que está em contato com o governo federal e estadual na busca por um auxílio emergencial aos microempreendedores e empreendedores da área, além da busca pela aprovação de uma linha especial de crédito.
Em conjunto com o Gabinete de Crise do Estado, com a Associação Brasileira dos Serviços de Beleza (ABSB) e com o Sindicato Nacional dos Profissionais da Beleza e Técnicas afins (Pró-Beleza), o órgão criou uma vaquinha para arrecadar recursos que devem ser distribuídos aos profissionais da área. A entidade está recebendo equipamentos, materiais e móveis para doações, em uma ação feita em parceria com empresas privadas e colegas de outros Estados.
O sindicato também está apoiando a iniciativa Adote um Profissional, buscando incentivar que salões de beleza e estéticas abram as suas portas para que cabeleireiros, manicures, maquiadores, depiladores e esteticistas impactados pela inundação possam continuar trabalhando enquanto reestruturam os seus negócios.
Para fazer uma doação de utensílios de trabalho ou solicitar apoio, entre em contato com o Sinca pelo telefone (51) 3225-1847. Para mais informações, acesse a página da entidade no Instagram.
*Produção: Carolina Dill