Pai, marido, empreendedor, da colônia, ex-jogador de futebol. Conheça a história de vida de Altemir Pessali, chef de cozinha conceituado no Estado e o nome por trás de três restaurantes em Garibaldi e no Vale dos Vinhedos.
Há vários tipos de pessoas no mundo. E é difícil decifrar cada uma delas, principalmente em um primeiro contato. Altemir Pessali não é assim. Bastaram minutos para reconhecê-lo como uma pessoa acolhedora nata. Alguém que, fora da curva comum, conseguiu realizar dois sonhos na vida: ser jogador de futebol e ter um restaurante.
O “colono”, como se autodenomina, teve a infância marcada pelo aroma do café passado, do vinho feito no porão de casa, do pão da nona e do biscoito da mãe. Quando jovem, tinha o sonho de ser jogador de futebol. Até aí, nada inusitado para um “guri” do interior de Guaporé, na Serra. Mas, diferentemente de boa parte deles, Altemir alcançou. Jogou em clubes do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e até do Japão.
Aos 31 anos, em 2000, Pessali sofreu uma lesão no joelho enquanto jogava no Japão. Por isso, precisou encerrar a sua carreira nos campos e voltar para a serra gaúcha – onde a esposa Clege Dalmaz e os dois filhos, Giulia e Henrique, com cinco e dois anos, na época, respectivamente, o aguardavam.
Nesse retorno, com o dinheiro que havia conseguido guardar dos salários de jogador, Pessali colocou em prática um outro sonho que mantinha guardado na cabeça: abrir um restaurante. No entanto, esse desejo não era apenas dele. A esposa, que atuava como dentista, também partilhava da intenção. E, assim, a dupla começou a idealizar o que hoje é um dos restaurantes de comida italiana mais admirados do sul do país: a Trattoria Primo Camilo, construída onde o avô de Pessali, o Primo Camilo, viveu.
A FAMÍLIA
O brilho no olhar não deixa esconder que, além das conquistas materiais alcançadas, há muita coisa intangível
que faz parte desse sonho. Cada vez que fala da esposa Clege e dos dois filhos, é nítido que a ascensão de Pessali não veio sozinha. Sobre a cônjuge, o chef rasga declarações espontâneas:
– Ela é minha parceira para tudo. A gente não se enjoa. Acho que fomos feitos um para o outro.
O filho, Henrique, é sócio de um dos restaurantes. A filha, Giulia, estuda Medicina na Argentina, mas tem planos de retornar ao Estado quando terminar a graduação. Isso, segundo Pessali, é porque eles “são assim”, cultuam as raízes que têm na serra gaúcha.
– O mundo é lindo e eu tive o prazer de conhecê-lo. Mas, particularmente, o melhor lugar para se viver ainda é aqui, no meu chão, na serra gaúcha. Não troco esse lugar por nada – reitera o chef.
O ESPORTE E A GASTRONOMIA
Na carreira de atleta ou na de empreendedor, existem cobranças o tempo todo. Pessali conta que não foram poucas as vezes em que ouviu as pessoas apostando em seu insucesso. Mas, uma das coisas que trouxe do campo é que o vestiário ensina. Segundo ele, ao observar a equipe, você pode ver se ela será vencedora ou não. Quanto a isso, o chef se garante e afirma que o seu “vestiário” atual é feito pelos melhores jogadores, e que com ele “traíra não se cria”.
– No futebol, às vezes se joga mal, mas vence. O contrário também é verdadeiro. No restaurante, é igual. Posso servir cem pessoas e achar que poderia ter sido melhor. Posso servir 10 e saber que foi show. É sobre entrega e experiência ao cliente – afirma.
Para ele, há espaço para os restaurantes mais antigos e tradicionais no cenário de hoje, desde que esses estabelecimentos tenham uma sucessão adequada.
– Um treinador sempre me dizia: “Corrige os teus defeitos e aprimora as tuas qualidades”. Esse cara é o Tite. Eu levo isso até hoje para a minha vida – complementa relembrando o passado.
Altemir Pessali e o atual técnico da Seleção Brasileira de Futebol jogaram juntos no RS e, depois, Tite o comandou em uma equipe. A essa altura, durante a entrevista, a taça de espumante já precisava ser enchida outra vez e o pinhão já havia acabado. O movimento na Trattoria Primo Camilo já começava e nós queríamos saber o que aquele homem, de 50 anos e com tanto sucesso, diria ao Pessali de 30 anos atrás.
– Eu diria para o Altemir de 20 anos que ele não foi mal, ele até foi bem. Mas eu pediria para ele valorizar mais seu pai e sua mãe. Eu me afastei deles e hoje só uma ligação me satisfaz, mas eu não acho que deveria ser assim. Acho que é a única coisa que pediria para ele fazer diferente – conta, depois de um longo suspiro.
– Mas, meus pais ainda estão vivos, posso me redimir – e o sorriso reaparece.
E o Pessali do futuro?
– Daqui a 20 anos, me imagino em Linha Alegre, no sítio, cuidando da horta, curtindo os netos, pescando. Para mim, lá é o paraíso. Mas, o futuro, a Deus pertence – finaliza e logo chega um cliente para abraçá-lo.
O PRIMEIRO RESTAURANTE
As portas da Trattoria Primo Camilo foram abertas no dia 30 de outubro de 2002. Mas o trabalho iniciou dois anos antes. Pessali e Clege cuidaram de tudo: mandaram fazer as mesas, organizaram o espaço, escolheram a decoração, colocaram a mão e o amor em cada detalhe.
– Eu sabia que tinha que fazer uma cozinha diferenciada. Então, fiz um capeletti com funghi, um talharim com alcachofra e fui montando alguns pratos diferentes – relembra Altemir Pessali.
Para compor a equipe, eles contrataram algumas pessoas com níveis diferenciados de experiência. O chef conta que no primeiro dia receberam 90 clientes.
– Encheu o restaurante e deu R$ 900 de faturamento. Faltou ovo e mais um monte de coisa. Aí, os próprios clientes me diziam no que eu poderia melhorar. No dia seguinte, só duas mesas foram preenchidas. Depois, na sexta e no sábado, eu pude perceber que eu não tinha noção do que era o Primo Camilo. Tu não tens ideia do que tinha de gente aqui na porta para entrar – relembra.
De início, Pessali coordenava o salão enquanto Clege cuidava (e ainda cuida) da parte administrativa e financeira dos negócios. Mas como o ex-zagueiro foi parar nas panelas? Ele conta que sempre foi muito curioso e, por isso, observava tudo. Em certa época, um dos cozinheiros precisou se afastar de imediato e eles não encontraram ninguém para substituí-lo.
– Eu fui para a cozinha! Eu enxergava ele fazer antes, então me virei e fiquei meses por ali – conta. Depois, contrataram outra pessoa e Pessali voltou para a função anterior – onde se garante tão bem quanto na preparação dos pratos. Mas, o destino resolveu dar mais uma dica para aquele que seria um chef. O pizzaiolo do local também teve um problema e precisou deixar o emprego. Quem assumiu? Pessali.
– Depois, contratamos alguém para a vaga, mas eu segui me aprimorando e de olho em tudo. Até o dia em que me convidaram para fazer um evento e a condição era que eu cozinhasse. E eu fui. E não parei até hoje! – relembra com uma felicidade quase palpável.
Hoje, ele comanda a Trattoria Primo Camilo, a Trattoria Mamna Gema e a Pizza entre Vinhos com o apoio dos sócios Vagner Poleti, Lucimar Roncaglio, Maria Sartóri, Clege Dalmaz e Henrique Dalmaz Pessali. Três lugares infalíveis para quem deseja comer e beber bem e ser cordialmente atendido em um clima familiar. Com esse sucesso, torna-se inevitável não pensar em quantos cursos Pessali fez ou qual foi a grande sacada para ter não só uma, mas duas carreiras de sucesso (no esporte e na gastronomia). Altemir só estudou até a sexta série do Ensino Fundamental. Mas, um dos pontos que ele considera de extrema relevância para todas as suas conquistas, aprendeu em casa: poupar dinheiro.
– Eu sabia o quanto eu tinha e o quanto eu poderia gastar. Eu sabia que tinha que ter uma poupança – afirmou.
Pessali sabe das suas origens e de onde veio. Sabe, desde criança, quando se mudou para Garibaldi, em 1975, de que o trabalho é a melhor e a única maneira de conseguir o que se deseja.
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Se você gosta de comer e beber bem, e de falar sobre isso, vai gostar também do nosso podcast. O Foodcast é um papo descontraído da equipe de Destemperados sobre gastronomia, dá o play aí!
* Conteúdo produzido por Victoria Campos