Que minhas irmãs não me leiam, mas posso dizer com segurança que cozinho melhor do que elas. Treinei mais. Não apenas por obrigação de ofício (e por gosto), por estudar mais, ou por comer fora com mais frequência. Mas porque, até onde me lembro, o xereta, quando minha mãe preparava almoços e jantares, era eu. Por que refoga o arroz assim? E como tempera o feijão? Como faz para a massa da torta ficar crocante?
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Até hoje, muitos anos depois, faço o arroz daquele mesmo jeito. E sigo repetindo várias receitas que aprendi com ela (alterando, tecnicamente, algumas coisas aqui, outras ali, é verdade). Mas publiquei uma receita dela – o pudim de pão – em meu primeiro livro. Publicarei outra no próximo, a sair em breve. Em resumo: quantos de nós não nos encantamos por fogões e panelas a partir da culinária das mães? Não só dentro de casa. Também no ambiente profissional.
Há muitos chefs que, embora experientes, com currículos brilhantes, afirmam abertamente que suas mães foram as maiores influências. Emmanuel Bassoleil, Daniel Redondo, Mara Salles, Paulo Shin, David Chang, Bernard Loiseau são alguns de uma lista enorme. Nesse quesito, não dá para esquecer aquela que, sendo mãe, chef e dona de restaurante, ajudou a formar gerações de cozinheiros – o jovem Paul Bocuse inclusive. Falo de Eugénie Brazier, a alma do Mère Brazier (1895-1977), primeira mulher a conquistar três estrelas Michelin.
Surgida num contexto em que muitas mulheres comandavam pequenos estabelecimentos (a Lyon do início do século 20, com suas muitas casas das “mères”), Eugènie levou sua expertise a níveis até então inéditos. Virou referência nacional, internacional, e deixou um sólido legado em seu país, a partir de um receituário tradicional, feito com muito rigor (o restaurante, hoje com outros proprietários, segue funcionando e tem duas estrelas).
Sendo a sua mãe uma Brazier ou uma cozinheira amadora, o que você vai preparar para ela no almoço especial deste domingo? Já pensou a respeito? Que tal revisitar um clássico da família? Capricha, porque a expectativa vai ser alta (mas o julgamento, provavelmente, terá a generosidade materna).
**Luiz Américo Camargo é crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
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