Certos termos são como sal e pimenta. Quando vemos, usamos a olho, sem prestar muita atenção. Mas e se a gente for pensar a respeito, indo além da receita pronta? Deixo para vocês se divertirem no fim de semana.
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Cozinha do afeto: não seriam “do afeto” todas as cozinhas, quando caprichadas? Muita gente vai dizer que canja, purê de batata, polenta, arroz doce são exemplos afetuosos (e pastosos). É preciso que se evoquem histórias, memórias de dias frios aquecidos por abraços e tigelas fumegantes? Mas o que seria, então, pensando no contrário, a cozinha do desafeto? Aquela que servimos para sacanear nossos inimigos? Ou feita de crus, grelhados, miúdos? Ou a que se mostra mais cerebral do que sensorial? Não sei.
Cozinha de autor: quando me torno um autor na cozinha? Quando faço algo que ninguém nunca realizou? Quando repito uma receita tradicional, mexo em um de seus pontos e explico que executei “do meu jeito”? Quando invento? Ou qualquer um que se dedique a realizar uma receita, do começo ao fim, seja ela qual for, clássica ou nova, simples ou complexa, pode ser denominado de autor?
Cozinha da vovó: conheço avós que não sabem cozinhar. Por terem se dedicado à carreira, por não terem pendor para o fogão. Preferiram contratar quem cozinhasse, preferiram comer fora, o que é um pleno direito. Não tinham um quitute natalino, nem algo memorável que preparassem para os netos – embora fossem adoradas por eles. Como fica a vida, sem essa categoria mental/afetiva? Vale, se a avó for uma exímia compradora de delícias já prontas?
Cozinha tradicional: quem delimita a cozinha tradicional? Onde a história se inicia, onde ela para e alguém avisa: “fechou, não venham com novidades”? Ferran Adrià, quando acusado de querer destruir a cocina española, respondia: “Mas que cozinha é essa? Ela tem 200 anos, 100? E por que não contamos como tradicional a cozinha dos mouros, quando dominaram a Espanha, na Idade Média?”. Gosto ainda de outra frase, de Carlo Petrini, do slow food: “Tradição é a inovação que deu certo?”. Verdade. Todos os clássicos, um dia, no passado, foram invenções. Por terem agradado, perduraram.
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Luiz Américo Camargo é crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso