Todos têm seu ponto fraco, seus apetites incontroláveis. Não sou do tipo que não sossega enquanto não acabar com o último bombom da caixa. Ou daqueles que, num espeto corrido, tenta superar os próprios recordes no consumo de carnes. Em contrapartida, não coloquem um queijo na minha frente: de pedaço em pedaço, ele logo vai embora.
Uma das invenções supremas do engenho gastronômico, o queijo sempre me impressionou. Variando poucos parâmetros, conseguimos extrair de um só ingrediente (o leite) uma diversidade impressionante de sabores. Pátria queijeira mais cantada pelos apreciadores, a França conta hoje (os números podem divergir) com 1,2 mil variedades do produto – ir a uma fromagerie em Paris é tão importante quanto caminhar ao longo do Rio Sena. Itália e Espanha, para ficar em poucos exemplos, também alinham alguns ícones desse universo. E o Brasil? Acho que segue numa (re)descoberta de seus queijos regionais, em especial os de perfil artesanal, que têm evoluído sensivelmente.
Elogiar o que vem de fora, louvar tradições europeias, apreciar queijos de variados terroirs, tudo isso soa natural nos nossos hábitos de consumo. E por que não devotar, quando for merecido, o mesmo respeito/entusiasmo com alguns artigos locais, made in Brazil, capazes de concentrar, numa única peça, expertises, geografias, sabores da terra? Eu creio que é uma questão de tempo.
Não precisamos deixar de gostar (jamais!) dos melhores camembert, cheddar, parmigiano, manchego, gorgonzola, gruyère e grande elenco. Mas podemos nos abrir para o serrano, o canastra, o serro, o cuesta e tantos outros mais. O que depende de uma legislação atualizada, que entenda e oriente o pequeno produtor, aceite o leite cru e reconheça a sabedoria de métodos ancestrais; de uma cadeia produtiva que remunere os artesãos, premie os comerciantes, sem elevar demais os preços. E de um mercado que entenda que, muitas vezes, vale mais a pena pagar mais por um bom produto nacional do que por um item mediano ou genérico trazido da Europa.
Quando o tema é queijo, eu quero mais – origens, estilos, quantidades –, não menos.
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De pedaço em pedaço | Luiz Américo Camargo
Destemperados
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