A chef Janaína Rueda e o jornalista de gastronomia Rafael Tonon lançaram recentemente o livro 50 Restaurantes Com Mais de 50 - 5 Décadas da Gastronomia Paulistana (Melhoramentos, 208p, R$ 89), em que contam as histórias de tradicionais restaurantes da cidade de São Paulo, que funcionam há pelo menos cinco décadas.
Para quem gosta de história e culinária, é uma bela dica para comprar ou presentear. A publicação conta como os restaurantes enfrentaram cenários de instabilidade, conquistaram clientes e perpetuaram a tradição. Confira abaixo uma entrevista com Rafael Tonon sobre o livro.
Como surgiu a ideia de escrever o livro 50 restaurantes com mais de 50?
A ideia nasceu a partir de uma reflexão sobre a atual obsessão da gastronomia pelo numeral 50: a lista mais influente de restaurantes do momento, elaborada pela revista inglesa Restaurant, elege 50 deles ao redor do mundo. Mas os melhores restaurantes são aqueles que figuram em uma seleta (e impossível) lista de 50 ou os que há 50 anos continuam abertos, servindo bem sua fiel clientela? Eu e a Janaína acreditamos mais na segunda opção, por isso resolvemos contar a hostória dessas casas que, por sua vez, ajudam a contar a história da gatsronomia de São Paulo, uma das mais interessantes não apenas da América Latina, mas também do mundo. A representatividade de São Paulo para a gastronomia pode ser equiparada a muitas grandes cidades, como Nova York, Cidade do México, Londres, se pensarmos na quantidade de restaurantes, na variedade de culturas culinárias, no hábito de sair pra comer. Estranho que quase não há livros contando a história da gastronomia de São Paulo, a maior cidade do país. Quisemos fazer as pessoas olharem para ela, entenderem a sua importância.
De que forma esses restaurantes foram mapeados?
Partimos do representativo número e fizemos uma extensa pesquisa, consultamos antigos frequentadores, folheamos arquivos de jornais. Saímos com uma lista surpreendentemente repleta de restaurantes com mais de 5 décadas de existência (havia mais de 50 deles, era um sinal!) e os visitamos, um a cada semana _ nem tão religiosamente assim _ provando suas receitas, suas especialidades. Relembramos pratos que se tornaram símbolos da gastronomia paulistana, ouvimos histórias, resgatamos fatos. E nos surprendemos que existissem mais de 50 ainda abertos e funcionando. Chegamos a um pouco mais de 60 e, desses, ecolhemos os 50 onde comemos melhor (nosso primeiro critério) ou que tivessem mais representatividade na história da culinária na cidade.
Tem algum lugar que tu queiras destacar e contar para gente?
Olha, há muitos bons lugares, seria difícil eleger um. Gosto do Fasano e sua hospitalidade que faz com que o comensal se sinta a pessoa mais especial do mundo durante uma refeição, o Tatini e seu espetáculo com os garçons finalizando os pratos à mesa, na frente dos clientes, as esfihas deliciosas (receitas da Dona Victória) na Brasserie Victória, o lindo salão do La Casserole para comer clássicos franceses, as pizzas da Castelões, o beirute do Frevo (que, pouca gente sabe, mas foi inventado no Brasil, e não em algum país árabe), os doces da Di Cunto... Enfim, destacaria coisas impersíveis de cada um deles. Por isso uma lista de restaurantes, seria impóssível falar de um só.
Qual a importância desses restaurantes tradicionais para a gastronomia?
Eles ajudam a preservar a história culinária da cidade, há pratos feitos ali que já deixaram de ser preparados em outras casas: eles são restaurantes, mas também são reminiscências vivas da história da cidade, seus costumes, seus gostos, sua fusão cultural. São Paulo é, antes de tudo, um caldeirão de imigrantes de todas as partes que constituiram ali, e só ali, uma mistura muito própria de hábitos à mesa. Poucas cidades têm tamanha riqueza. Esses restaurantes são a prova dela.
Qual a pior comida que já comeste na vida?
Nossa, difícil. Diria que já comi muitas comidas ruins na vida, mas preferi esquecê-las, tirar da memória. O bom do paladar é que ele só vai pra frente, nunca regride. Comida ruim é facilmente superada por comida boa, e fica num passado de alguma papila gustativa que logo trata de apagá-la, para o bem da nossa paixão pela gastronomia.
O que vai ter sempre na tua geladeira?
Manteiga. E água com gás. Algumas garrafas de cerveja também, que sempre é bom. E, vá lá, umas frutas. Tenho mania de só comer fruta se estiver bem gelada. Algum trauma de infância, talvez.
Qual a viagem gastronômica da vida?
San Francisco e San Sebastián, para ficar em dois santos. A primeira, nos EUA, tem uma cena toda informal, meio hippie, mas levada a sério em todos os detalhes, do serviço aos ingredientes. Come-se melhor ali que em Nova York, ao contrário do que muita gente pensa. E a capital do País Basco, na Espanha, é o destino perfeito para quem preza por comida: dos bares de pintxos aos restaurantes estrelados (a cidade é a que mais os reúne em metros quadrados), tudo o que se come é bom. Qualquer portinha pode oferecer uma refeição inesquecível. E a gente que ama comer busca lugares exatamente assim, certo?
Um lugar onde ainda queres comer.
Tóquio, com certeza. Preciso resolver logo esse revés na minha vida gastronômica.
Uma pessoa que admiras na gastronomia.
Olha, hoje eu diria que é o Daniel Patterson. Com anos em restaurante estrelado, de apreço bem fine-dining, ele resolveu investir em uma rede de fast food saudável, orgânica (até onde é possível) e, principalmente, acessível. O acesso, no caso, não é só pelo preço, mas pela escolha de só abrir lojas em periferias de cidades da Califórnia, levando comida melhor para bairros que nunca estiveram na mira de grandes cozinheiros. Acho que ele represneta muito do que eu acho que deve ser (ou espero ser) a gastronomia do futuro: acessível, feita para as massas, sem qualquer rastro de "gourmantismo".
Um ingrediente que estraga qualquer prato.
Presunção. Quero comida, não venha me servir conceitos.
Vinho ou cerveja? Um rótulo.
Olha, hoje, no momento que respondo a essas perguntas, a vontade é de cerveja. Uma bem lupulada, como a 7 Hop Ipa, da Rogue, cervejaria do Oregon que eu tive a chance de conhecer a fazenda e a plantação dos lúpulos. Mas amanhã pode ser um vinho... Depende do estado de espírito.
Qual seria tua última refeição antes de morrer?
Um café da manhã caprichado. É, de longe, a melhor refeição do dia. Bom pão, boa manteiga e bom café são a representação da felicidade mais simples e plena e superam, fácil, qualquer receita elaborada. Umas frutas da estação, uns ovos bem feitos e pronto.... Podia ser de manhã, no almoço ou no jantar. Exigiria um bom café da manhã independente do horário.