*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
As perguntas simples costumam ser as mais difíceis. Certa vez, me enrolei todo diante de uma indagação de uma educadora: “Que tipo de pai você é?”. Eu achava que sabia, mas reconheci que talvez não tivesse entendido o alcance da proposição. Enfim, não parecia claro e era preciso refletir para elaborar. Demorei e não sei se consegui responder. Faça o teste. Por exemplo, pergunte a um amigo empreendedor se ele sabe ser objetivo na definição do seu negócio.
Por analogia, você já parou para pensar “qual é o seu gosto”, em comida e bebida? E já notou como as pessoas têm dificuldade em falar a respeito – embora pareça (difusamente) evidente, (vagamente) cristalino? Você é da acidez, do amargor? Aprecia o peso, prefere o frescor? Não tem certo nem errado, tem apenas o seu perfil. Consegue articular?
Reparem num chef como Claude Troisgros. Ele costuma descrever com limpidez a sua cozinha. A acidez é sempre um traço marcante das receitas, o crocante é frequentemente desejável, os sabores são bem delineados. Ele exerce o ofício pensando no público, mas também nos próprios traços de seu paladar. Como isso se desenvolve? Com treino: comendo e bebendo, experimentando e, principalmente, fazendo repertório. Sabendo o nome das coisas.
Outro exemplo. Quando me perguntam sobre vinhos e pedem conselhos de uvas e regiões, não raro eu recorro ao famoso “descubra o seu tipo de paladar, comece por aí”. Não é uma dica ruim, mas talvez ela seja incompleta: do que estamos falando, afinal? Da capacidade de identificar um vinho que “pega”? Que limpa a boca, refresca? Que faz salivar? Que deixa uma sensação longinquamente doce? Assim sendo, você aí, que me lê: qual o seu gosto?
Tenha atenção naquilo que dá prazer: ingredientes, pratos, bebidas. Repita o mesmo com aquilo de que não gosta. Associe palavras e sensações. Não precisa ser algo intrincado. É só observação, memória, associação. Mal não vai fazer. Aliás, é justo o contrário.
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