Em março aconteceu em Austin, no Texas, mais uma edição do South by Southwest, também conhecido como SXSW. Para você que já leu essas letrinhas estranhas por aí e não sabe do que se trata, explico: é o mais importante e influente festival de inovação do mundo. O festival caiu no gosto dos brasileiros, que se tornaram a segunda maior delegação do evento. Os temas principais são comunicação, música e cinema. No entanto, a gastronomia vem abocanhando ano após ano mais espaço na grade de programação. Por isso, arrumei as malas e fui desbravar um pouco do lado foodie do SXSW.
É impossível acompanhar todas as palestras que acontecem no evento. Você tem que focar em algumas preferidas e relevar tudo que deixou de lado. Mas as apresentações e debates são apenas um pedaço de tudo que se vê e aprende por lá. Uma grande quantidade de marcas investe em chamar a atenção do público com intervenções malucas por toda a cidade. Grandes redes sociais como Twitter e Pinterest prepararam espaços para receber e compartilhar experiências e conteúdos relacionados à suas marcas.
Nem tudo o que se vê por lá é a invenção da roda. O festival serve para confirmar algumas verdades, mas também possibilita abrir a cabeça para universos nunca antes explorados. Do mar de informações e comportamentos que fui impactado em Austin, organizei os 10 pontos que mais me chamaram a atenção em relação ao mercado de gastronomia.
1. O SLOW FOOD MUDANDO O FAST FOOD
Os fundadores da Homegrown Sustainable Sandwiches, uma rede de sanduíches que já conta com 13 lojas em Seattle e São Francisco, mostrou que é possível crescer de forma sustentável e saudável no mercado. Adeptos do movimento Slow Food, que conecta os restaurantes com os produtores locais e valoriza a produção limpa dos alimentos, estes empreendedores investiram em fazendas orgânicas próprias para abastecer seus estabelecimentos. Eles também se preocupam em mostrar a origem dos alimentos e apresentar com transparência todo o impacto que o negócio causa no ambiente, com dados de quanto de reciclagem fazem e o quanto de energia renovável utilizam. Em um mundo cada vez mais preocupado com o processo de produção e composição do que estamos comendo, tais visões de negócio tornam-se diferenciais competitivos importantes.
2. CRESCIMENTO DA AGRICULTURA INDOOR
A agricultura é um pilar fundamental de toda a alimentação. Mudanças climáticas e comportamentais em relação à saúde fizeram o assunto deixar de ser algo distante dos grandes centros. A ideia de produzir alimentos cada vez mais perto de onde são consumidos fez surgir empresas como a Local Roots, que criam, constroem e operam fazendas orgânicas em espaços fechados e controlados com grande eficácia. A produção é feita sem pesticidas e com economia de 97% de água em relação a plantações tradicionais. A empresa colocou uma grande horta dentro de um caminhão que anda por todo os Estados Unidos apresentando na prática seu conceito. Qualquer espaço agora pode ser utilizado para produzir alimentos saudáveis e sustentáveis.
Outra manifestação que endossa esta tendência pode ser vista em uma tenda que apresentou o aplicativo mobile GRO, que ajuda as pessoas a plantarem em casa, com vídeos que ensinam o passo a passo para ter sucesso com hortaliças de todos os tipos.
3. A EXPLOSÃO DA SOCIALIZAÇÃO DO ATO DE COMER NAS REDES SOCIAIS
Nos últimos 10 anos a gastronomia se tornou um assunto cada vez mais relevante e “sexy” na vida das pessoas. A ebulição de fotos de comida nas redes sociais não deixa dúvidas disso. Lembro de quando começamos o Destemperados a cara de espanto que as pessoas faziam quando a gente fotografava comida em restaurantes. Parecíamos ETs. Hoje, virou a coisa mais normal do mundo.
Em uma palestra na Casa Pinterest, o tema foi abordado por representantes do Tastemade, do Museum of Food and Drink e por uma escritora/pesquisadora influente no assunto. Segundo os debatedores, tal comportamento se deve a diversos motivos. Primeiro porque é cada vez mais acessível e barato tirar fotos de comida, além dele estar presente diversas vezes ao dia na frente da boca e das câmeras. Mas o principal motivo é a necessidade de mostrar o que se come como uma forma de fazer branding pessoal, no melhor estilo de “você é o que você come”. Ou pelo menos você gostaria de ser visto assim.
4. O MODELO DE NEGÓCIOS DE GROCERANTS
A palavra pode assustar no início mas o conceito de grocerants, que mistura “grocery” com “restaurant” é uma nova realidade no mercado gastronômico. Para enfrentar crises econômicas e consumidores com cada vez menos tempo disponível, restaurantes estão incrementando a experiência de consumo ao oferecerem mercados de produtos gastronômicos dentro de suas lojas. A possibilidade de levar para casa produtos com a assinatura ou a curadoria de renomados chefs e restaurantes, aumentou a relevância destes estabelecimentos em todo o mundo. Mais importante do que isso é a manifestação de que o consumidor quer estar mais conectado com a sua comida e viver experiências prazerosas em torno dela. E a consequência disso é que o conceito de café da manhã, almoço e jantar já não é algo fixo na vida da geração dos millenials.
5. SERVIÇOS DE DELIVERY GANHANDO ESPAÇO PELA PRATICIDADE E PREÇO
O mercado de entrega de comida em casa nunca esteve tão aquecido. Um dos fatores que influencia isso é a facilidade para se pedir e pagar por refeições com apps e sites que pipocam por todo o mundo. Empresas de logística e transporte entenderam a tendência e embarcaram na onda de aproximar restaurantes da mesa de casa. O Uber Eats é a principal referência nesta mudança. Diversos restaurantes já criaram operações exclusivas para o serviço de entrega tamanho o sucesso dos serviços. Outro mercado afetado pelo comportamento de compra online são os supermercados pois consumidores estão optando por escolherem tudo pela tela do celular ao invés de circularem por diversos corredores com um carrinho. Os clientes só passam no supermercado para buscar seus produtos e isso faz as marcas quebrarem a cabeça para mudar a forma de chamar a atenção dos mesmos.
6. A URBANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DE CERVEJAS E VINHOS
A febre das cervejas artesanais já não é novidade. Muitas delas são produzidas em grandes cidades e isso aproxima a relação com o consumidor final. Porém, essa realidade também começa a impactar o mundo dos vinhos. Vinícolas estão sendo instaladas dentro das cidades para aproximar a relação com o trade e o público. Esse é o caso da Infinite Monkey Theorem, vinícola urbana instalada em Austin. Em palestra sobre o tema, o fundador Ben Parsons destacou um novo conceito que ganha espaço nas regiões produtoras do chamado Novo Mundo, o terroir cultural. Ao contrário do conceito de terroir tradicional que está relacionado com clima, solo e topologia, o terroir cultural tem a ver com as técnicas utilizadas na produção e com as pessoas que estão por trás do vinho. Outra tendência reforçada no festival foi a acessibilidade no mundo do vinho, como o crescimento da bebida em novos formatos como em latas e on tap.
7. NOVAS PROFISSÕES GASTRONÔMICAS
Em um festival de inovação são constantes os momentos nos quais as pessoas ficam com medo de perder seus empregos como existem hoje. Algumas palestras reforçam a necessidade de mudança ou desenvolvimento em diversos setores. A automatização afetará diferentes áreas como a do lavador de louça (também conhecido como pia). Os próprios chefs têm suas funções ameaçadas por máquinas capazes de criarem combinações a partir de dados, mas isso já é assunto para a tendência que vem a seguir neste texto.
Ao mesmo tempo que algumas morrem, novas profissões surgem no radar. Em uma palestra, Arielle Johnson falou sobre ser uma cientista do sabor, cargo que ocupou no celebrado Noma em Copenhagen. Sua principal função era auxiliar chefs e cozinheiros a descobrirem a ciência por trás dos alimentos e como melhor apresentar isso nos pratos.
8. A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL MUDANDO A FORMA DE COMER E CRIAR
Muito se falou no SXSW sobre inteligência artificial e big data. O tema está relacionado a todas as áreas do futuro praticamente, de carros que dirigem sozinhos a aplicativos que te ajudam a comer melhor de acordo com informações fornecidas na atividade digital da pessoa. Um dos exemplos mais impressionantes apresentados foi o Food Pairing, serviço que mapeou mais de oito mil moléculas aromáticas em mais de dois mil ingredientes diferentes e é capaz de criar automaticamente combinações de pratos e sabores únicas. O serviço também ajuda os restaurantes a diminuírem os custos dos seus menus e o desperdício nas cozinhas. O renomado Virgílio Martinez do restaurante peruano Central, por exemplo, firmou parceria com eles para descobrir combinações interessantes para serem feitas com insetos, pois estes são vistos com bons olhos por representarem proteína mais barata e capaz de substituir carne em diversos menus.
9. A REVOLUÇÃO DA REALIDADE VIRTUAL
O nascimento da internet mudou completamente a forma como vivemos hoje. A sensação que se tem ao viver o festival é que a realidade virtual terá um impacto tão grande quanto em nossas vidas pois promete criar uma nova forma de acessar conteúdo que transporta as pessoas a realidades paralelas. Vai ser possível viajar sem sair de casa de forma muito mais surpreendente e instigante do que acontece hoje com computadores e celulares. E na gastronomia o impacto também será sentido. Com o auxílio dos óculos de realidade virtual, cada vez mais acessíveis no mercado, será possível visitar virtualmente o restaurante que se tem vontade de jantar e ainda ver os pratos do menu apresentados pelo chef. E que tal fazer um passeio pelo processo de produção de uma vinícola sem sair do sofá de casa? E na hora de cozinhar, chefs de todos os cantos do mundo poderão estar com você na cozinha. O potencial dessa nova realidade será capaz de transformar a forma como consumimos conteúdo e as experiências que escolhemos viver.
10. A FORÇA DA GASTRONOMIA LOCAL
Até programar a viagem para o festival eu conhecia pouco sobre a gastronomia do Texas. Mas aprendi muito sobre identidade cultural ao provar o famoso churrasco texano, especialmente os briskets e o molho barbecue em lugares como o Iron Works. A cultura de food trucks também é muito forte na cidade. Diferente da difícil realidade brasileira na qual os trucks precisam de eventos para sobreviverem, em Austin eles estão espalhados nas ruas e tem público fiel em diversas horas do dia. Destaque para o Art of Tacos e sua deliciosa comida mexicana, e também para o My Name is Joe, food truck especializado em cafés. Surpreendente mesmo foi comer frutos do mar de qualidade em uma região tão longe do mar. No Perla´s é possível provar ostras de diferentes regiões dos Estados Unidos, além de lagostas do Maine. Depois de 5 dias em Austin, constatei que nem é preciso do SXSW para conhecer a cidade, pois ela é um destino gastronômico interessante por si só.
* Conteúdo produzido por Diego Fabris