*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Sabe o cassoulet, aquele prato-ícone francês? Seu ingrediente central, o feijão, tem origem no continente americano. Chegou à Europa a partir das navegações de Cristóvão Colombo, no fim do século 15. Só aí foi cultivado e adotado em outros países.
A propósito... e o pomodoro? O que pode existir de mais italiano à mesa, fora o próprio macarrão, do que o tomate? Como protagonista do mais famoso e executado molho do planeta, ele é uma bandeira absolutamente nativa da Itália, certo? Não: o tomate também é americano, aportando no Velho Mundo com Fernão Cortês, o conquistador espanhol.
Eu poderia discorrer sobre outros exemplos de receitas tipicamente “nacionais” de variados países – e seus berços distantes, miscigenados. Mas minha intenção é apenas refletir sobre o seguinte: somente o intercâmbio, a troca entre culturas, somente um mundo sem barreiras tornaram possível a diversidade gastronômica de que desfrutamos hoje.
O presidente dos EUA, Donald Trump, começou seu mandato impondo vetos à entrada de estrangeiros, notadamente de algumas nações islâmicas; reafirmando a intenção de erguer um muro na fronteira com o México; e questionando a permissão de visto de viagem para outros povos. E se essa ameaça de nova ordem geopolítica, restritiva, sectária, tivesse vigorado nos últimos séculos? Quantos diamantes culinários deixariam de ter sido criados?
O que seria do cotidiano alimentar norte-americano se não fossem tacos, burritos e outras criações mais? Sem contar que alguns dos melhores mestres-cucas da América do Norte (os que realmente seguram a onda no dia a dia das cozinhas profissionais) emigraram majoritariamente do México.
Ah, sim, o hambúrger. Alguns estudiosos defendem que ele nasceu na Europa Oriental e foi consolidado, como sugere o nome, em Hamburgo. Já imaginaram se a imigração fosse proibida, no século 19? Alguém pode conceber os EUA sem hambúrguer?
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