*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Certa vez, um amigo, a quem volta e meia presenteio com algum vinho, me disse que eu havia identificado e acertado o gosto dele: os “tintos brancos”. O que isso significa? Não, não se trata de uma novidade ou de alguma experiência com uvas transgênicas. Ele se referia aos tintos fáceis, leves, de variedades menos tânicas. Que não abarrotavam as papilas, mas também passavam longe de ser simplórios.
São os tintos de castas como Gamay, Pinot Noir, Cabernet Franc etc. Muitos deles, de vinificação natural, não filtrados, menos alcoólicos. Enfim, muito mais amigáveis em taninos e pujanças. Também aprecio esse estilo de bebida, e fiquei pensando a respeito. Concluí que, cada vez mais, busco e me satisfaço com os brancos, com alguns rosados... e tenho me tornado mais seletivo com os tintos.
Beber, para mim – fermentados ou destilados – tem sempre a ver com comida. O gole chama a mordida, e por aí segue. Meu pendor, frequentemente, é pelos vinhos “da mangiare”, como dizem os italianos: os que pedem a presença de petiscos, pratos e afins. São aqueles de acidez presente (mas agradável), que fazem salivar, abrem o apetite. E, comumente, essa tabelinha funciona muito bem com os brancos.
Manoel Beato, o notável sommelier do Grupo Fasano, sempre diz que, se fizéssemos uma hipotética análise do vasto repertório culinário de que dispomos, veríamos que a maioria dos pratos combinaria virtuosamente muito mais com os brancos do que com os tintos. Inclusive considerando receitas com algumas carnes e aves.
Sei que grande parte do público consumidor ainda prefere os Cabernet, Merlot e afins. E, no caso dos brancos, não vai muito além de Chardonnay e Sauvignon Blanc. Mas eu lanço a provocação: existe uma tal gama de diferen- ças entre os brancos, com tantas possibilidades aromáticas, de pesos, de estilos, que vale a pena pensar neles além da bebericagem informal das festas e coquetéis. Além, inclusive, daquele tradicional prato de peixe. Quase no melhor estilo “degustação” às cegas. Acho que muita gente vai se surpreender. *Crítico gastronômico e autor do livro Pão nosso