*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Uma nova geração de chefs americanos, todos descendentes de chineses, quer criar uma moderna cozinha sino-americana. O tema tem sido aventado na cena gastronômica de Nova York, em especial. A intenção é definir uma nova escola, com a técnica e o receituário da China unidos a elementos made in USA.
Em sua maioria, eles têm boa formação acadêmica e o desejo de conciliar memórias gustativas com liberdade criativa. São nomes como Thomas Chen e Jonathan Wu, entre outros, e ficarei de olho para ver como evolui o movimento. Tenho certa desconfiança com pretensões assim, digamos, tão autoconscientes. Mas aprecio a iniciativa e acho que esse enfoque cairia bem em nosso país, no âmbito das nossas colônias. Explico.
Costumamos dividir os estilos culinários em italiano, alemão, japonês, árabe, etc – como se nossos restaurantes ditos “étnicos” defendessem bandeiras rigorosamente ortodoxas. E poucas vezes nos damos conta que, na verdade, a maioria faz adaptações ou fusões com produtos e repertórios locais, brasileiros.
Por que não podemos abrigar, sem detrimento dos cânones desta ou daquela tradição: 1) uma cozinha de perfil mais brasileiro (conforme a diversidade regional e dos biomas); 2) cozinhas de outros países, com graus diversos de “autenticidade”; 3) cozinhas que celebrem a comunhão entre nações?
Os peruanos, por exemplo, foram hábeis em criar as escolas nikkey (a linhagem nipônica reinterpretada) e chifa (o casamento entre China e Peru). Por aqui, creio que existe um vasto campo a se desbravar, na busca de uma linguagem ítalo-brasileira, nipo-brasileira e por aí afora. Sei que é o tipo de coisa que poderá encontrar resistências e preconceitos. Porém, se a comida for boa e as ideias, coerentes, por que não? Entre um chef que sirva pratos deliciosos e “mestiços” e um tradicionalista de pouco talento, fico com o primeiro.
Muitos cozinheiros já trabalham assim, alguns intuitivamente, outros de forma pensada. Será que uma pesquisa consistente não pode nos levar a um novo e instigante repertório? Gosto de pensar que sim. Seria libertador e divertido; com sorte, seria, inclusive, saboroso.