*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Que dólar, que nada. Crise? Sem essa. Para os espumantes nacionais, o momento tem sido digno de um brinde. O setor comemorou um aumento de vendas de 16,5% em 2015, de acordo com o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin).
As razões dessa performance, mesmo em ano de recessão, são várias. A aceitação crescente do produto nacional, tanto aqui como no Exterior; o reconhecimento da qualidade da bebida; a desvalorização do real, que encareceu os importados. Podemos elencar outros aspectos. Mas minha bandeira, na coluna de hoje, é outra: não podemos perder a oportunidade de difundir o vinho (no caso, representado pelo espumante nacional) para um público mais amplo do que o habitual.
Eu trabalho com conteúdo de gastronomia desde 2003. E, desde então, sinto-me incomodado com uma velha estatística, inalterada há muito tempo. O consumo de vinho em nosso território não sai dos 2 litros por pessoa/ano. Eu sei que essas métricas não refletem diversidades regionais (no Sul, por exemplo, os índices certamente são maiores). Contudo, o fato é que nossa base de consumidores avança pouco.
É evidente que o vinho envolve cultura específica e hábitos e depende da situação econômica, etc. Para mim, entretanto, falta uma atitude, um posicionamento diferente: tratá-lo de um jeito mais descomplicado, mais integrado ao dia a dia. Com produtos verdadeiramente acessíveis, em várias faixas de preço. Um processo que envolve produtores, varejistas, restaurantes, formadores de opinião, profissionais da gastronomia. Ah, sim: volta e meia, o governo também participa, geralmente atrapalhando.
Então, que 2016 continue sendo um bom ano para blanc de blancs, moscatéis e afins, e as borbulhas se consolidem como preferência nacional, indo muito além do Réveillon. Que os brasileiros tratem nosso espumante com respeito, como protagonista de celebrações, à maneira do que os franceses fazem com os seus crémants e champanhas. Mas também o transformem em companheiro de refeições cotidianas. E que o bebam com a alegria com que os espanhóis divertem-se enchendo seus copos de sidra, no ecumenismo dos balcões de bar.