*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Em minha trajetória de crítico, sempre fiz questão de visitar um restaurante por pelo menos três vezes antes de escrever. Aparecia em horários e situações variáveis, comia diversos pratos. E, na hora de escolher, a ideia era experimentar receitas feitas com técnicas variadas, para analisar a performance da cozinha.
Contudo, nunca deixei de fazer a mesma pergunta aos garçons: “Qual é o seu carro-chefe? O que vocês fazem de melhor?”. E, obviamente, eu testava a especialidade. Meu entendimento é que um restaurante deve ter sempre na ponta da língua aquilo que considera o seu ponto mais forte.
Pois bem. Nesse momento em que, aparentemente, enfrentamos uma entressafra de grandes movimentos, e em que os caminhos da restauração se mostram mais delimitados pela situação econômica do que pelas tendências da gastronomia, eu sinceramente gostaria que a nova onda fosse servir o melhor. Vago? Nem tanto.
Meu ponto é que, na disputa pelo apetite do comensal, o medo de perder o cliente acaba se sobrepondo à vontade de conquistá-lo (pois são coisas diferentes). Surge daí, então, uma enxurrada de cardápios parecidos e propostas repetitivas. Se o mercado e o público parecem estar apontando para um certo “lá”, a turma vai na mesma direção. Na chegada, a certeza: não há lugar para todos.
Estou afirmando que a criatividade é a alternativa? Não necessariamente. Servir o melhor diz respeito apenas a defender com competência o que o seu trabalho tem de mais expressivo, não importa se é clássico, inventivo ou trivial. Transfira a situação para a cozinha de casa. Qual a sua melhor receita, a sua favorita, aquela que você mais pratica? Porém, quantas vezes, num jantar entre amigos, você abriu mão de executar seu carro-chefe para recorrer à preparação mais badalada do momento?
Em suma, cozinhar bem, com segurança, e apostar nas especialidades são o que mais pode garantir a singularidade de um cozinheiro ou de um restaurante. Dá mais trabalho e exige dose extra de autoconhecimento. Mas eu torço para que “aquilo que se faz de melhor” vire moda e dure muito mais do que uma estação.