*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Aconteceu na semana passada. Mas o personagem é tão importante que o fato vai muito além da voracidade do noticiário. Estou falando da morte do chef francês Roger Vergé, referência da nouvelle cuisine. Ao lado de Paul Bocuse e dos irmãos Troisgros, ele ajudou a refundar a cozinha francesa – e a influenciar o jeito de fazer e servir comida em todo o mundo nos anos 1960 e 70. Leia-se: frescor, boa matéria-prima, cocções precisas, beleza nas apresentações.
Não vou aqui me meter a escrever um obituário do chef – reportagens muito completas já foram e têm sido publicadas. Mas quero traçar uma pequena homenagem propondo um ponto de vista um pouco diferente.
Ao meu ver, Vergé não deixou apenas ideias e pratos clássicos. Sua trajetória, por si só, contém a fórmula de construção de um cozinheiro. Algo que vale para qualquer lugar, em qualquer época. São quatro passos – ou, quem sabe, quatro camadas.
A memória – Sua mãe e sua tia foram suas inspirações primordiais. A comida de casa, essência do que ele chamava de cuisine hereuse, seria o núcleo de um bom chef. Alegrar era mais importante do que impressionar.
As viagens – Vergé adorava rodar o mundo e sempre aproveitou coisas que aprendeu em outros continentes, a África em particular. Sem preconceitos.
O respeito ao produto – Na execução de sua “cozinha do sol”, baseada no receituário provençal, o chef sempre valorizou os produtos mais elementares do mar e do campo. Tratava como iguarias os peixinhos baratos que sobravam no fundo da rede do pescador e, nas preparações, sempre defendeu a simplicidade.
A coragem – O chef ousou ao introduzir frutas em pratos salgados, ao servir coisas como pé de porco em seu luxuoso Moulin de Mougins. E não se omitiu quando viu que a nouvelle cuisine pendia para a caricatura e virava anedota: pratos enormes, pouca comida, contas gigantescas. Suas críticas foram duras.
Um cozinheiro só se torna grande se necessariamente agir assim? Claro que não, cada um tem uma história. Mas defendo que essas quatro camadas compreendem uma senhora receita na formação de um chef.