Luiz Américo Camargo*
Ele é um exemplar em extinção. Sua figura talvez tenha se diluído na compartimentação de expertises dentro de um estabelecimento. Ou, quem sabe, tenha se perdido num mundo aparentemente mais receptivo a chefs, sommeliers,gerentes – e até investidores. Estou me referindo ao restaurateur, termo francês que designa aquele profissional (o proprietário, muitas vezes) que cuida de tudo, que trabalha para que o cliente tenha a melhor experiência gastronômica possível.
Um ícone do ofício foi o francês Jean-Claude Vrinat, do legendário Taillevent, em Paris. Falecido em 2008, Vrinat sabia muito de cozinha, embora não fosse chef. Conhecia decoração, bebidas, etiqueta. E era mestre em receber, acima de tudo. Como ele mesmo dizia, sua missão era dirigir um palácio e, ao mesmo tempo, deixar o comensal completamente à vontade, pensando na composição de um momento inesquecível.
Dizendo assim, parece até que restaurateur e haute cuisine são indissociáveis. De fato, as duas coisas estão bastante ligadas. Contudo, a arte do acolhimento e de zelar pela conexão entre o fogão e a mesa não deveria depender de estrelas e ambientes faustosos. E, certamente não tem a ver com a cada vez mais difundida imagem do sócio que só quer circular pelo salão girando uma taça de vinho, à espera de algum fotógrafo de coluna social. Nem com a figura do empresário que só quer saber o resultado das planilhas recebidas no fim do mês.
Já vi anfitriões notáveis nos mais variados lugares, inclusive em bistrôs, trattorias, tascas. E como dá gosto observar os passos e as atitudes do patrão que ajeita o vasinho de flores na mesa, endireita os quadros, vai à boqueta quando percebe que um cliente começa a se inquietar à espera do prato, tira os pedidos daquela família que não consegue se decidir, pede ao cozinheiro para preparar um bife com batatas para as crianças (sem precisar recorrer a pratos no estilo fast-food), conduz com atenção e olhar
atento a fila de espera. Isso depende de brigadas imensas e estrutura cara? Creio que não. É uma questão de vocação, de talento para exercer o artesanato cotidiano da hospitalidade.
*Crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso