O Brasil há algum tempo se destaca na elaboração de cafés especiais, vinhos e cervejas, e isso não é novidade. Este ano, entretanto, o mercado brasileiro revelou bebidas pouco comuns em produções locais, tais como gim, vodca e até mesmo sidra.
Lançada há cerca de três meses, a vodca Vorus, tetradestilada, é o mais novo produto da vinícola Salton. A ela somam-se o gim Virga, produzido com ingredientes brasileiros em um pequeno alambique no interior de São Paulo, e a sidra Épo, elaborada pela Morada Cia. Etílica, de Curitiba, em parceria com uma vinícola de Caxias do Sul e disponível em três sabores diferentes.
– A ideia é mostrar que existem muitos produtos bons aqui no Brasil. Não é preciso trazer bebidas de outros países quando podemos produzi-las no quintal de casa – destaca Felipe Jannuzzi, um dos criadores do gim Virga, que já está em seu terceiro lote e pode ser encontrado online.
André Junqueira, um dos sócios da Morada Cia. Etílica, acredita no potencial de sua sidra, e sua vontade era mesmo apresentar ao brasileiro uma bebida na qual ninguém estava prestando atenção, mas que todos curtiriam ao provar.
– Acho que não podemos deixar de valorizar o que temos, de mostrar e nos apoderarmos das coisas que são nossas. Temos que parar com esse complexo de vira-lata de que tudo o que vem de fora é mais legal – afirma Junqueira. – Por outro lado, acredito em produtos que realmente entregam um conceito legal, refinados e bem resolvidos. É um desfavor colocar um ingrediente especial em um produto sem trabalhá-lo corretamente.
GIM COM INGREDIENTES NATIVOS
Lançado há pouco mais de um mês, o gim Virga surgiu da vontade de quatro amigos de elaborar um gim genuinamente brasileiro, com ingredientes típicos daqui. Para isso, Felipe Jannuzzi, um dos sócios na empreitada, apostou em seu conhecimento sobre destilados adquirido nos anos em que está à frente do projeto Mapa da Cachaça – que faz um mapeamento da produção da bebida no país.
– O gim pode ser feito com qualquer base alcoólica, mas na Europa a bebida é produzida principalmente a partir de cereais. Em uma viagem à Alemanha, provei alguns exemplares muito bons feitos com cana-de-açúcar e na hora pensei: por que não fazer isso no Brasil, país com a maior produção do ingrediente, que também é a base da cachaça? – lembra-se Jannuzzi.
Assim, o gim Virga – nome criado a partir da expressão “virgindade agreste”, utilizada em um texto de Gilberto Freyre no livro O Brasil Holandês, organizado pelo autor Evaldo Cabral de Mello, para descrever o país na época da chegada dos holandeses por aqui – passou a ser elaborado em microlotes de 150 garrafas no Engenho Pequeno, um, de fato, pequeno alambique localizado em Pirassununga, interior de São Paulo.
– Fermentamos a cana, produzimos a cachaça e a destilamos duas vezes. Em seguida, adicionamos os botânicos para que suas propriedades sejam extraídas na infusão e destilamos novamente – explica Jannuzzi.
Essenciais na produção de um gim, são os botânicos que vão garantir uma bebida de característica aromática. Além do obrigatório zimbro (único ingrediente importado, em função de não existir no Brasil), o Virga recebe semente de coentro e pacová, uma planta comum no litoral e conhecida por muitos como cardamomo brasileiro, em função de seus sabores, que podem lembrar cravo, e até mesmo baunilha, na bebida.
– É um gim com personalidade. Tem o doce da cana-de-açúcar e os aromas de especiarias trazidos pelo pacová, além de ter casado muito bem com ingredientes como água tônica e vermute, muito usados na coquetelaria, que está vivendo um momento de ascensão no país – destaca Jannuzzi.
A RETOMADA DA SIDRA
Apesar de ter entrado no mercado com foco em cervejas artesanais, a Morada Cia. Etílica, de Curitiba, pretende investir em diferentes tipos de bebidas. Assim nasceu a sidra Épo, a partir de uma vontade de disponibilizar um fermentado de maçã diferenciado para retomar o consumo de uma bebida que aos poucos ficou relegada a segundo plano no Brasil.
– Aqui as pessoas têm a ideia de que a sidra é algo sem graça e muito doce. Então, criamos um produto refrescante, de paladar seco e com leve acidez, fácil de beber – conta André Junqueira, sócio da Morada Cia. Etílica. – Quem viaja à Europa, nota que a sidra é muito presente. Na Inglaterra, por exemplo, tem bar dedicado só a ela. Aqui no Brasil, ficou jogada nas cestas de fim de ano.
A Épo – cujo nome mistura a pronúncia de apple (maçã, em inglês) e a expressão brasileira “É, pô!” – é preparada em parceria com a vinícola Cia. Piagentini, de Caxias do Sul, com maçãs Gala e Fuji de Vacaria e da serra catarinense. São três rótulos diferentes feitos com a mesma base da fruta fermentada.
– A base é feita com fermentação espontânea, ou seja, não são adicionadas leveduras, somente as que já estão presentes na casca da maçã. Isso garante aromas e sabores diferenciados, além da acidez trazida pelas bactérias presentes na fruta – explica Junqueira. – Essa fermentação obriga a vinícola a usar somente maçãs orgânicas, de outra forma ela não fermentaria.
A Épo tem produção de 10 mil litros por lote e está disponível na loja MaltStore, em Porto Alegre, em garrafas e torneiras.
BRASILEIRA COM INSPIRAÇÃO NÓRDICA
Referência em vinhos e espumantes, a Salton mantém uma unidade na cidade de Jarinu, no interior de São Paulo, onde produz destilados desde as décadas de 1960 e 1970, quando esse tipo de bebida assumiu um papel importante na manutenção dos negócios da empresa. Então, há três meses no mercado, a vodca Vorus representa um retorno a uma área de tradição na Salton.
Disponível nas versões tradicional e com frutas vermelhas – utilizando ingredientes como morango, framboesa, mirtilo e amora –, a vodca é fruto de uma pesquisa de dois anos, que garantiu uma bebida de paladar suave e estrutura em boca.
– Esta bebida sofisticada, que conseguimos criar para fazer frente a rótulos concorrentes tanto nacionais, quanto importados, é resultado do processo de produção, que faz com que o álcool seja destilado quatro vezes, conferindo à vodca um grande grau de pureza – afirma Daniel Salton, presidente da empresa. – O resultado está na aceitação do público: já vendemos cerca de 400 mil garrafas desde o lançamento.
Apesar de ser elaborada no Brasil, a vodca faz referência às lendas nórdicas, que representam uma cultura de bravura, honra e coragem. Uma das intenções é inseri-la na coquetelaria, cada vez mais em voga.
– A vodca é o destilado mais consumido no país e vai muito bem com drinks, principalmente nossa versão tradicional, que combina com qualquer ingrediente – afirma Salton.
TAMBÉM ESTÁ EM ALTA
Produzido por um dos grandes nomes das bebidas destiladas, o inglês Rob Dorsett, o gim Arapuru é artesanal e feito em terras brasileiras com ingredientes frescos e locais, que são macerados antes da produção. Com nome inspirado na ave-símbolo da Amazônia, este gim é feito com zimbro; imiriba, uma planta do nordeste, que lembra a canela e é levemente picante; sementes de coentro, puxuri (pode substituir a noz-moscada) e pacová, que dão sabor e aromas; fatias secas de caju e cascas secas de bergamota e limão-cravo.
* Conteúdo produzido por Juliana Palma