Café é um patrimônio brasileiro tão tradicional quanto o futebol e o samba. A segunda bebida mais consumida no mundo — perdendo apenas para a água — é sinônimo de rotina. No entanto, vai muito além do cafezinho passado de toda manhã. Ao longo dos últimos 20 anos, o grão ganhou torras diferentes, novos métodos de extração, estudos de terroir e padronização de qualidade para os cafés especiais.
O Café do Mercado foi o pioneiro nesse movimento em Porto Alegre e contribuiu muito para o cenário brasileiro.
A torrefação começou no Mercado Público da capital gaúcha, em 1997, com os irmãos Clóvis e Felipe Althaus. Após uma temporada nos Estados Unidos, eles notaram uma atenção para o café de qualidade e se questionaram sobre os motivos do Brasil não ser protagonista na cena.
O país sempre foi o maior produtor e o maior exportador de café do mundo. De acordo com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), o Brasil é responsável por aproximadamente 1/3 da produção cafeeira do mundo. São mais de 300 mil fazendas de café espalhadas.
— Embora seja o maior produtor, o Brasil nunca foi reconhecido pela qualidade e, sim, pelos blends. Quando abrimos o Café do Mercado, casualmente, o país estava acordando para a questão dos cafés especiais. Era o começo da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) e temos muito orgulho de ter ajudado nesse desenvolvimento — conta Clóvis.
A banca do Mercado Público foi pioneira no segmento, apresentando ao consumidor gaúcho os diferentes estilos de torra, moagem, extração e origem.
Com o mesmo intuito de valorizar a produção de café local, nasceu a William & Sons. A pequena torrefação começou pelo desejo do norte-americano Jonathan Hutchins de empreender em Porto Alegre. Ele bebia ótimos cafés brasileiros nos Estados Unidos, mas quando visitava o Brasil não bebia os melhores daqui. Em 2011, por introdução de Jonathan, Gustavo Albuquerque passou a conhecer os grãos especiais e aprimorar o paladar. Assim, os amigos viraram sócios e abriram a própria torrefação na Capital.
Prestes a completar 10 anos, a butique de café sempre buscou revelar o trabalho dos produtores por trás da cultura cafeeira, trazendo o campo para a cidade. Uma das grandes marcas do William é mostrar o rosto de quem produz nas embalagens dos produtos, daqueles que trabalham de sol a sol para colher o melhor que a safra produziu.
— O saber fazer do produtor é o que dá a diferenciação. É daí que vêm as notas sensoriais que valorizam ainda mais o produto. Quando trouxemos isso para Porto Alegre, queríamos revelar o produtor. O café sem um rosto é apenas um produto, a gente quer contar essa história — ressalta Gustavo.
CAMINHO DO GRÃO
O conceito de café especial vai muito além do produto em si. A filosofia por trás da produção é de extrema importância para a colheita do grão.
A BSCA é responsável por certificar os cafés especiais no Brasil e utiliza diversos critérios para avaliar a qualidade do produto, antes de chegar na análise sensorial. Esses parâmetros começam pelas questões sociais, como garantir que não haja exploração de trabalho análogo à escravidão e infantil, e que os direitos e a segurança dos trabalhadores sejam cumpridos. A sustentabilidade também é um dos critérios importantes nessa avaliação. Mesmo as fazendas não orgânicas têm protocolos a serem seguidos, como não devolver a água utilizada no processo para os leitos do rios, já que ela pode estar contaminada com muitas impurezas prejudiciais. Apenas depois de tudo isso, o café é submetido à prova sensorial.
— Café especial, para nós, tem comprometimento social e ambiental, conta com uma pontuação acima de 80, dentro dos 100 pontos possíveis, e é rastreável, o cliente pode acompanhar, pelo QR Code, todo o caminho do café — explica Clóvis.
CAFÉ BOM É CAFÉ ESCURO?
Tanto para Clóvis quanto para Gustavo, uma das grandes dificuldades foi desmistificar a cultura de que café bom deve ser escuro e extraforte. Hoje, a preferência das duas marcas é pela torra média clara, por manter as propriedades do grão.
Gustavo conta que muitos clientes, no início, chegavam no William & Sons e estranhavam a coloração clara do café, e até brincavam chamando de “chafé”.
— As pessoas tinham a referência de café extraforte, bem escuro. E, normalmente, tende a ser mais amargo, por isso, as pessoas passaram a colocar açúcar para mascarar esse amargor — esclarece.
Além da questão do amargor, Clóvis defende que a torra mais clara entrega o ápice do café e a maior quantidade de antioxidantes, trazendo mais benefícios para a saúde.
VALORIZAÇÃO DO PROFISSIONAL
A missão que une Café do Mercado, William & Sons e tantas outras pequenas torrefações é a valorização de toda a cadeia por trás do amado cafezinho. Desde o produtor até o barista.
— Não existe relação de cuidado se eu sentar na mesa do produtor, ele me entregar o melhor que ele fez, eu torrar e não ter um barista que sirva aquilo. É uma cadeia muito linear. A gente não pode estragar o trabalho do produtor na torra e no serviço — acredita Gustavo.
O Café do Mercado chegou a desenvolver uma série de cursos e concursos para baristas para garantir que o café seja entregue ao cliente com toda a qualidade com a qual foi feito.
O número de novas cafeterias e torrefações próprias na Capital cresce a cada dia, mas engana-se quem pensa que isso é visto como maus olhos pelos empreendedores. A resposta é unânime: é isso que eleva a consciência para que mais pessoas consumam café de qualidade.
A verdade é que uma boa xícara de café, vai além da bebida, é hospitalidade, acolhimento e história.