Quem acompanha a cena do funk não precisará de mais do que um minuto de tela para se emocionar com MC Daleste - Mataram o Pobre Loco, série documental sobre o assassinato do funkeiro Daniel Pellegrini. A produção, que chega ao Globoplay nesta sexta-feira (23), em quatro episódios, comove ao dar a dimensão do que foi (e do que poderia ter sido) a carreira do jovem paulistano morto aos 20 anos de idade, mas também é firme ao questionar a ausência de respostas ao crime.
MC Daleste foi baleado em 6 de julho de 2013, no palco, enquanto fazia um show em um conjunto habitacional de Campinas, em São Paulo. Estava no melhor momento de sua trajetória artística, com hits como Angra dos Reis e Mina de Vermelho tocando nas rádios de todo o país. Por onde passava, o funkeiro arrastava multidões.
Exemplo foi o show que fez em Porto Alegre no ano anterior à sua morte, no Baile Funk da Tuka. Dada a superlotação da casa noturna, centenas de pessoas permaneceram do lado de fora do estabelecimento, na ânsia de pelo menos ouvir o show do "pobre loco", como o MC ficou conhecido. Naquele final de semana em solo gaúcho, Daleste realizou um total de 12 apresentações. Ele era um fenômeno, um verdadeiro "rockstar do funk", ídolo de uma geração de jovens periféricos.
O show que culminou no assassinato do artista, em Campinas, reuniu mais de 5 mil pessoas. Sem praticamente nenhuma estrutura, a apresentação foi bancada pela própria comunidade local. Naquela noite, o palco improvisado sobre a carcaça de um trailer virou cenário de um crime que, mais de uma década depois, ainda aguarda solução.
Investigação sem desfecho
O velório de Daleste levou cerca de 20 mil pessoas ao cemitério da Vila Formosa, na zona leste de São Paulo. Em imagens mostradas na série, fãs e familiares aparecem clamando justiça às autoridades. Entretanto, o inquérito foi encerrado três anos depois, sem desfecho.
— O grande motivo de eu ter topado essa entrevista foi a esperança imortal de reabrir esse caso — diz o irmão de Daleste, Rodrigo Pellegrini, em trecho da produção. — É o nosso último recurso — lamenta.
A família acredita que o teor de canções compostas pelo MC pode ter minado o empenho das autoridades na investigação do caso. Como muitos jovens crescidos nas periferias do Brasil, Daleste tinha um pé atrás com as forças policiais — algo que ele expunha em algumas de suas composições, sobretudo as feitas no início da carreira. Em entrevista para a série, um agente que atuou no caso confirma a hipótese levantada pelos familiares: de fato, à época, não havia muito empenho em solucionar o assassinato do cantor.
A fim de buscar respostas, a partir do segundo episódio, a série abre uma investigação própria sobre o caso. A equipe de direção sai de trás das câmeras para virar protagonista do processo, com um formato semelhante ao do Profissão Repórter — aliás, os dois diretores da produção, Eliane Scardovelli e Guilherme Belarmino, integram o time de jornalistas do programa comandado por Caco Barcellos.
A dupla de direção esmiuça mais de mil páginas de documentos ligados às investigações do crime, identifica falhas na condução dos trabalhos e pressiona autoridades ligadas ao caso. Além disso, vai até a comunidade onde o crime ocorreu e questiona moradores do local, que demonstram insegurança em abordar o assunto. A própria equipe chega a ser aconselhada a não insistir no tema.
— É melhor não se envolver — alerta um morador.
Contudo, a série contraria a recomendação e encontra testemunhas que não foram ouvidas pelas autoridades, mas podem ser fundamentais para o desfecho do caso. É um acerto dos jornalistas por trás da produção, que ainda consegue acender reflexões sobre os impactos da classe social no acesso à Justiça.
Legado do artista
Outro acerto de Mataram o Pobre Loco diz respeito à valorização do legado do artista como pioneiro do chamado funk ostentação, vertente de um gênero por vezes tido como inferior no cenário da música brasileira, mas retratado com a devida deferência pela produção. Funkeiros que hoje despontam nas paradas musicais são recrutados para falar da influência do artista, incluindo Gloria Groove, que tem um de seus maiores sucessos, Vermelho, inspirado em Mina de Vermelho, do MC.
— Quando a gente sai do palco depois de cantar "quem é essa menina de vermelho?" (trecho da música do funkeiro incorporado por ela), a gente sabe que Daleste vive — diz Gloria.
Além de abordar a influência exercida pelo MC na música, a série também destaca o papel dele em aspectos como a moda e a autoestima dos jovens das periferias. Mostra, ainda, o quanto a partida de Daleste segue sendo sentida por aqueles que se identificam com a história dele, um jovem que cresceu em uma casa na qual não havia sequer banheiro, mas conseguiu ascender socialmente por meio da música. É um retrato digno para um dos mais promissores artistas da cultura popular, que infelizmente partiu cedo demais.