Resiliência é a palavra que Rodrigo Santoro usa para definir seu mais novo personagem, o navegador português Fernão de Magalhães. Figura conhecida dos livros de História, tudo indica que ele precisou mesmo ser resiliente para concluir a façanha que lhe fez estampar materiais didáticos por todo o mundo: a primeira expedição marítima a conseguir dar a volta no globo e assim provar que a Terra não é plana, comandada por ele em 1519. O feito é narrado em Sem Limites, minissérie que chegou nesta sexta (8) ao catálogo do Amazon Prime Video, estrelada por Santoro e Álvaro Morte, o Professor de La Casa de Papel.
O espanhol ganha a tela como Juan Sebastián Elcano, piloto responsável por guiar a expedição comandada por Magalhães quando este conseguiu o aval da Coroa Espanhola para dar início à viagem. Um aval conquistado justamente na base da resiliência, depois que ouviu um sonoro "não" de Portugal, seu país de origem e para o qual apresentou inicialmente a proposta, resolvendo tentar a sorte na nação vizinha.
É deste ponto que parte o primeiro episódio de Sem Limites, focado na batalha ainda não naval travada por Magalhães para conseguir colocar suas naus no oceano. Mas, além de mostrar a tensão que antecedeu a partida da expedição, o capítulo deixa claro o quão desgastada estava a relação do explorador com a coroa portuguesa, algo que, no entendimento de Santoro, é fundamental para que se comece a entender quem ele foi.
— Um homem que vem de um orgulho ferido, de uma espécie de abandono, com uma necessidade de provar para Deus, o mundo e ele mesmo que tinha valor, que ele conseguiria fazer. E ele deu várias contribuições. Historicamente, fica claro que ele contribuiu muito com a corte portuguesa, lutando mundo afora como soldado, mas nunca se sentiu reconhecido. Quando eu descobri isso, deu para entender um pouco de onde vinha essa força — diz o ator, em entrevista a GZH.
Apesar da propriedade com que Santoro fala de seu personagem, quase como um amigo íntimo, ele nem sempre o conheceu tão bem assim. Foi algo construído ao longo dos meses durante os quais esteve simbolicamente confinado com Fernão de Magalhães. A produção precisou ser atrasada por conta da pandemia, mas ele continuou conectado à história do navegador.
Santoro aproveitou os meses em stand-by para ler biografias, consultar historiadores, acessar documentos raros, como o testamento deixado pelo português, e formar um mosaico de informações que lhe permitisse compreender quem era esse homem de cujo feito se sabe muito, mas cuja personalidade se desconhece.
— Foi uma preparação longa. Eu gosto, mas essa foi a mais longa de todas, por conta do confinamento. A ponto de eu chegar para o primeiro encontro por Zoom com o diretor e ter tanta informação que comecei a falar, falar, falar, e ele disse: "Por favor, respira. Não é Game of Thrones, não tem 10 temporadas, não dá para contar isso tudo" — lembra, aos risos.
Esta ambição de Santoro por desbravar as águas ainda pouco navegadas da vida de Magalhães certamente contribuiu para um dos grandes pontos positivos da produção: ela não romantiza o evento que se propõe a narrar. Trata-se, sim, de uma série de ação, épica e focada em personagens históricos que realizaram grandes feitos, o que seria um prato cheio para a construção de uma narrativa puramente heroica, mas não é isso o que se vê em Sem Limites. Embora a série ofereça ao espectador a liberdade de interpretá-la como melhor lhe convier, também aborda tudo de condenável que envolve o período das grandes navegações, incluindo o massacre dos povos originários.
— Todo o contexto leva Magalhães para um lugar de herói, mas eu não interpretei esse personagem como um herói. Ele realizou um feito que foi talvez uma das maiores façanhas da história da humanidade, uma missão praticamente impossível e que de fato muda a história da humanidade, mas fez coisas terríveis também — pondera Santoro. — Para mim, era muito importante humanizá-lo. Sempre é, na verdade. Em todo trabalho, o objetivo central é trazer humanidade para o personagem, para que o espectador possa gostar ou não gostar, mas consiga entender, sob um ponto de vista humano, quem teria sido esta pessoa.
Com isso, a produção deve agradar o espectador mais atento às problematizações, mas também os fãs de ação. A direção ficou por conta de Simon West, experiente no gênero por produções como Lara Croft: Tomb Raider (2001). Há tensão, tempestades, conspiração, batalhas em alto mar e muitas sequências de luta. As suas Rodrigo Santoro fez questão de gravar ele mesmo, dispensando a equipe de dublês, a fim de imprimir ainda mais verdade ao seu Fernão de Magalhães.
— Eu adoro que os dublês venham para o set. Aí eu acomodo eles, ofereço um café, e eles não trabalham (risos). Eles vêm para o set para me mostrar como fazer e, sempre que eu posso, eu faço. E nesse caso eu fiz — diverte-se o ator. — É uma experiência muito técnica, porque você tem que cuidar o outro, pois pode machucar, ao mesmo tempo em que está ali com o sangue quente, na ação, e trabalhando com uma plasticidade que não é só sair batendo. É muito técnico.
As cenas de confronto, porém, passaram longe de ser o único ou o maior desafio do ator — muito embora ele tenha treinado em casa durante meses para conseguir realizá-las com maestria, como conta. É que tudo foi desafiador, desde o longo processo de pesquisa sobre Magalhães até a execução do texto, em espanhol e com trechos em português de Portugal.
Não que os idiomas fossem exatamente um problema para Santoro, acostumado a estrelar produções internacionais. O problema era o sotaque. O ator conta que, assim que se encontrou pela primeira vez com a professora que iria ajudá-lo nos estudos da língua, levou um balde de água fria: falava um espanhol perfeito, mas um espanhol latino-americano. E não havia como alguém falar desta forma em 1500, quando a colonização da América Latina ainda engatinhava. Aí, lá veio mais estudo.
Mas a cereja do bolo de provações foi gravar durante a pandemia de covid-19. Para as filmagens, o ator passou quatro meses vivendo em Madri, na Espanha, acompanhado da esposa e da filha. Convivia diariamente com centenas de pessoas no set da série, a mais cara da história do audiovisual espanhol, ao passo em que precisava garantir a segurança da família que lhe esperava em casa. Foi difícil, ele conta, mas ajudou o fato de todos os envolvidos na produção estarem comprometidos com a segurança sanitária.
— A gente trabalhou muito unido, porque um dependia do outro mais do que nunca. Nesse sentido, como a gente queria que desse tudo certo, que ninguém ficasse doente, porque isso acabaria atrapalhando o andar da produção e colocando vidas em risco, a atmosfera da equipe foi muito bonita de se ver. Estava todo mundo muito respeitoso e muito concentrado — lembra o ator.
Santoro acredita que, no fim das contas, a inquietude trazida pela pandemia, apesar de dramática, contribuiu de alguma forma para o que o público verá na tela. Ninguém estava em uma situação confortável ali, mas a história contada pela produção também passa longe de ser sobre conforto.
— De certa forma, isso trazia algum nível de tensão para o set, mas uma tensão que nos colocava atentos, alertas. Acho que isso acaba dando para ver na tela e, curiosamente, isso contribui para essa história. Porque na história, esses homens, nesse barco, precisavam estar no meio do mar, muitas vezes tentando encontrar uma direção, vivendo batalhas com outros barcos, vendo a morte todos os dias... Existe um paralelo aí que é interessante — analisa.
O resultado desta convergência de contextos está disposto nos seis episódios que chegaram nesta sexta ao streaming. E que convergem não só pelas situações extremas vividas atrás das câmeras e representadas na frente delas mas também pela inconveniente semelhança entre alguns pontos da história de mais de 500 anos.
É o que faz de Sem Limites, na visão de Santoro, um entretenimento pensante:
— Esse trabalho me fez pensar mais sobre o que foi a colonização, sobre os povos originários, sobre o que foi essa época, sobre o que foi o patriarcado... E pensar em como era em 1500 e em como é hoje, no quanto a gente ainda precisa evoluir em muitos aspectos. Isso ficou muito claro.