Era outro mundo quando os 12 participantes do primeiro Big Brother Brasil entraram na casa do reality show, em 29 de janeiro de 2002. A atração passou muitas transformações entre a edição vencida por Kleber Bambam, o bombado que comoveu o país ao chorar por sua boneca Maria Eugênia, a 20ª, que está no ar. O programa não parou no tempo.
Há premissas que seguem as mesmas: participantes confinados em uma casa, sem contato com o mundo exterior, com câmeras acompanhando seus movimentos durante 24 horas. Uma vez por semana alguém sai da disputa (na reta final, aumenta o número de eliminados no período). O vencedor fatura uma bolada de dinheiro.
Em um programa com repercussão potencializada nas redes sociais (há quem nem assista, mas sabe o que está acontecendo pelas postagens pelo Twitter), esse BBB 20 já mobilizou 1,5 bilhão de votos em dia de paredão. Já se passaram 18 anos desde aquela edição pioneira com Caetano, Xaiane, André Batista e companhia, e o reality segue pautando conversas e dividindo opiniões Brasil afora. A seguir, confira o que mudou essencialmente no programa de 2002 para cá.
Participantes
Antes de entrarem na casa do primeiro BBB, ninguém sabia quem era o cabeleireiro franco-angolano Serginho, a modelo Vanessa e o artista plástico Adriano. Quer dizer, só amigos e familiares. A premissa do reality era contar com concorrentes anônimos que não se conheciam.
Com o passar do tempo, esse princípio foi sendo flexibilizado. O BBB 13 contou com ex-participantes do programa, entre eles campeões como Bambam e Dhomini (BBB 3). No BBB 18, o pai Ayrton e a filha Ana Clara entram na disputa competindo como se fossem um concorrente só. Já o BBB 20 abriu espaço para famosos e influenciadores digitais, alguns que até já se conheciam e trouxeram tensões de fora da casa – caso de Rafa e Bianca–, que entraram favorecidos por contarem com uma base de fãs.
Ao contrário do BBB 1, em que mal se pensava no programa como um jogo, agora há participantes que já entram dispostos a interpretarem um personagem no reality, entrando na casa com movimentos e posições estudados para aparecer com destaque diante das câmeras – vide Manu Gavassi, Pyong e Gabi Martins nesse BBB 20.
Formato
Hoje no reality há brigas provocadas pelas perdas de estalecas, moeda interna para a compra de alimentos. Existe a Prova do Anjo em que o vencedor pode imunizar outro participante. Paredões triplos. Prova de bate e volta para um participante se safar da berlinda.
Nada disso existia no primeiro BBB. Nem o paredão tinha esse nome originalmente: era berlinda. Quem o batizou com esse nome foi o participante Adriano. O programa era mais linear, sem tantas dinâmicas na eliminação: o líder indicava alguém, a casa votava em outra pessoa. O público decidia quem deixaria a casa.
Inicialmente, Pedro Bial e Marisa Orth apresentavam o BBB. No entanto, ela deixou o posto pouco tempo após a estreia e passou a se limitar a uma conversa com os participantes na sextas. Bial seria o âncora do programa por 15 anos. No BBB 17, Tiago Leifert passou a comandar a nave.
Atitudes
Era um BBB mais pesado aquele primeiro. Muitas atitudes dos participantes poderiam provocar "cancelamentos". Logo no primeiro dia, Bambam já disse que queria "traçar" Xaiane (os dois tiveram um breve caso). Em uma conversa, Bruno Saladini foi xenófobo ao apontar que Adriano, por ser baiano, seria "preguiçoso", sem disposição para trabalhar na casa.
Adriano também reproduziu comentários preconceituosos: em conversa com Serginho, ele disse que os franceses eram "um bando de nojentos". O artista plástico mencionou ainda que queria cercar a França com um muro e também direcionou ofensas pesadas à Alessandra "Leka", fazendo a sister chorar.
Público
As votações, que outrora podiam ser feitas por telefone ou SMS, agora estão centralizadas na internet. Antes, era o público do sofá que tomava as decisões do jogo. Desde o BBB 14, os fandoms (grupos de fãs) têm dado as cartas organizando mutirões para os votos. Segundo aponta Arthur Guedes, mestre e doutorando em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea pela UFMG, o programa se voltou mais para a internet a partir da edição 13. O especialista em realities destaca que o BBB mudou de fato com a preponderância das redes sociais como espaço expandido do programa. O que é exibido na TV já não é mais predominante na formação da opinião do público.
– O programa construía as propostas narrativas, como montar um VT (vídeo) do vilão, do mocinho, do casal, do triângulo amoroso, do "planta". O que a televisão mostrava era tomada como a narrativa real, mais aceita pelo público. Com as redes sociais, a força das edições mostradas pela televisão diminuiu – destaca Guedes.
O especialista destaca que a maneira como as pessoas repercutem o que acontece no programa em outros espaços, não controlados pela edição, transformam a maneira como o BBB é exibido.
– Por muitas edições, a maneira como o público se posicionava em relação à narrativa do programa era quase descartada. Era como se o BBB tivesse uma visão hermética: essa é a nossa proposta e não mexemos nisso – pontua.
Tribunal
Com a ascensão dos fandoms, as torcidas têm reproduzido nas redes sociais práticas equivalentes às de campanhas eleitorais. É possível perceber utilização de bots (robôs) nas torcidas, tanto para votar como para subir hastags de apoio ao seu candidato. Vídeos com uma fala fora de contexto ou publicações antigas das redes sociais são armas que fãs utilizam para depreciar um rival de seu favorito. Afinal, atitudes condenáveis, dentro e fora da casa, podem levar ao linchamento virtual – e, consequentemente, à eliminação .
– Cada vez menos o que importa são os participantes em si ou a identidade deles, mas sim muito mais como se comportam, como se relacionam com as situações do programa e entre si. E isso levanta as bandeiras que atravessam o programa desde o início – diz Guedes
Segundo o pesquisador, os discursos (como antirracista, antimachista e anti-homofóbico) ganham muito espaço nas redes, e as controvérsias do BBB emergem para a web com uma potência muito grande.
– Com as redes sociais, os discursos se expandem. Acho que essa é maior transformação desde o primeiro BBB – conclui.