Fadas, unicórnios, furacões: há uma guerra não anunciada no reino do Twitter. Subindo hashtags, criando mutirões e, é claro, espalhando suas bandeiras em território neutro. São os fandoms do Big Brother Brasil 20, preparando-se para a reta final do reality show.
Fandoms são as torcidas organizadas em tempos de internet. Nas redes sociais, cada uma tomou como símbolo um ícone para identificar seu ídolo maior, colocado ao lado do nome dos usuários em seus perfis no Twitter. Aos seguidores de Babu, um ursinho; aos Gavassiers de Manu, a fada; aos blindados de Rafa, estrelas cadentes; às torcidas das eliminadas Marcela e Gizelly, unicórnios e furacões; e aos pyongers, um yin-yang; aos fãs de Mari, esquilos; entre outros.
Mas nem tudo são emoticons. Para manter seus líderes na disputa por R$ 1,5 milhão, muita mobilização é necessária. A tática mais conhecida são os mutirões de votos, em dias de paredão. Normalmente, a cerimônia é realizada pelo perfil oficial do candidato, que anuncia o horário de início da movimentação. Por uma hora, todos os seguidores devem estar focados unicamente em votar no Gshow.
— E tem gente que leva a sério, não dorme, briga com quem fica no Twitter discutindo ou comentando em vez de ficar votando — destaca a pesquisadora Gabriela Habckost, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRGS, que há anos se dedica a estudar as torcidas do BBB.
A animosidade às vezes passa dos limites. Há perfis que tentam manipular informações sobre outros candidatos ou atacar aqueles que estão defendendo algum adversário.
— De modo geral os fandoms são muito passionais, tendem a defender o participante preferido cegamente, discutem com quem critica inclusive — explica Gabriela.
E tem muita matemática por trás da estratégia (e um pouco de adivinhação). Os fãs preenchem tabelas que, quando completas, somam milhares votos. No final do mutirão, é hora de enviar as tabelas preenchidas ao responsável, que faz parciais de como está a disputa. Dos desenhos mais rudimentares até criações no Photoshop, o importante das tabelas é manter o ânimo dos soldados no front.
Aqui surge a divergência entre enquetes extra-oficiais e a votação do Gshow. Enquanto a maior parte dos portais aceitas que os fãs votem apenas uma vez para tirar a temperatura da batalha, o site da Globo aceita quantos votos o fã tiver condições físicas de dedicar ao seu favorito. Por isso, participantes que apareciam com bastante rejeição nas pesquisas, como Pyong e Marcela, acabaram sendo eliminados com um percentual muito mais baixo.
Novidade nesta edição do BBB, a presença de figuras que já eram influentes ou famosas antes do reality também adicionou uma nova variável à dinâmica do jogo e dos fandoms. Ao ir para berlinda, Manu Gavassi contou com a ilustre presença de Bruna Marquezine pedindo votos a seu favor. Outras personalidades, de Mark Hamil a Anitta, já foram recrutados para declarar seus lados em batalhas (mesmo quando não tem certeza do que estão pedindo, como foi o caso do intérprete de Luke Skywalker, que publicou "#foraGizelly").
A estratégia, no entanto, não fica por aí. Alianças são feitas pela eliminação de candidatos mais fortes, que podem ser vistos como ameaça por vários fandoms. Foi o caso da berlinda em que disputavam Gizelly, Babu e Mari. Seis torcidas (de Manu, Rafa, Thelma, Marcela, Pyong e da própria Gizelly) se juntaram para eliminar Babu. Não foi o suficiente.
— Gizelly tinha uma rejeição muito grande, que os mutirões da torcida dela, os furacões, como se chamam, apesar de grande e de votarem muito, não conseguiram dar conta — comenta Gabriela.
Ainda assim, Babu somou 41% de votos, após vários paredões com rejeição mínima, frente a 54% da advogada.
O contra-ataque do sofá
A permanência do ator após tal união pode ser sinal de que os ventos estão mudando de direção para os fandoms. Pelos últimos anos, as torcidas tinham tido mais poder, à medida que o grande público se distanciava das disputas do Big Brother.
— A Emilly, por exemplo, que ganhou o BBB 17, tinha muita rejeição do público, mas tinha um fandom muito dedicado, ganhou assim, eliminou um por um. Essa edição não vem sendo assim, pelo engajamento de muita gente, o envolvimento dos famosos, a dimensão que tomou — compara a pesquisadora.
A disputa símbolo da retomada do interesse geral pelo BBB foi o paredão de 31 de março, que eliminou Felipe Prior. Por dois dias, o Gshow registrou em média 500 mil votos por minuto, chegando à cifra recorde mundial de 1,5 bilhão de votos totais. É como se o programa tivesse voltado a apelar a um público que tinha se afastado nas últimas edições.
— Quem é fã de BBB tem um dialeto todo próprio e um termo que eles usam é "o sofá", que se refere a quem acompanha o programa e vota, mas que não faz parte desse universo do Twitter. Normalmente é gente mais velha, com rituais diferentes — explica Gabriela.
Arthur Guedes, mestre e doutorando em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea pela UFMG, tem uma hipótese para os números exorbitantes:
— O paredão recordista não é porque o Prior tinha uma base enorme de pessoas apoiando. E nem necessariamente que a Manu tinha. Era o que estava em jogo ali. A Manu representando ideias feministas, de inclusão, a ideia da fada sensata, que dialoga com adolescentes (as pessoas que mais movimentam a internet hoje). E o Prior, que se colocava como um anti-Manu na leitura do jogo.
As bandeiras levantadas por cada participante sempre foram um elemento do reality. Porém, de questões de fundo, elas se tornaram protagonistas desta edição, em que constantemente são colocadas em pauta questões de machismo e racismo.
— Cada vez menos eu sinto que fandoms e torcidas organizadas estão necessariamente conectadas às pessoas, às identidades, aos personagens, mas sim às ações e reações, comportamentos e posicionamentos dessas pessoas dentro do jogo — aponta Guedes.
Assim, já não é possível saber qual causa apelará mais ao público a cada embate. Blindados ou não, criaturas fantásticas ou humanas, animais ou furacões, os fandoms precisam ultrapassar suas fronteiras e chegar ao público geral. Ou voltar às suas táticas de guerra: já diria Tiago Leifert, tendinite é que decide paredão.