Quando foi anunciado o elenco do Big Brother Brasil 20, sobrou desconfiança nas redes sociais. Promovida como uma edição histórica, a temporada trouxe para dentro da casa influenciadores e celebridades de fama questionável, com poucos nomes de fato conhecidos pelo grande público, como Boca Rosa e Pyong Lee. Três meses mais tarde, muita gente precisa morder a língua.
Entre os cinco últimos confinados no reality, quatro vem do famigerado grupo Camarote. A cantora Manu Gavassi, as influenciadoras Mari Gonçalves e Rafa Kalimann e o ator Babu Santana. Pelo menos três deles são vistos como fortes candidatos ao título (enquanto Mari corre por fora). Todos eles somam milhares de novos seguidores.
Os "youtubers" e "instagramers", no entanto, são apenas peões de um jogo mais complexo. Após anos construindo cada vez mais um universo próprio na internet, o BBB finalmente conseguiu entrar em simbiose com o discurso internetês e tuiteiro.
— O pulo do gato que eu acho que neste BBB 20 aconteceu foi a apropriação direta dos discursos que acontecem nas redes sociais, nas plataformas digitais, principalmente no Twitter — aponta Arthur Guedes, mestre e doutorando em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea pela UFMG.
Se há anos a produção se volta cada vez mais à internet, com a votação exclusivamente pelo site do Gshow desde a edição 18, houve no BBB 20 uma recalibração até na hora de criar VTs ou caracterizar personagens.
— Antes, as narrativas (da televisão e da internet) meio que concorriam. A movimentação nas redes era uma maneira de o público tentar consertar as narrativas que o programa construía — comenta Guedes. — Hoje, fica muito evidente como o BBB se apropria das propostas do público.
E a produção nem tenta esconder o novo modus operandi. O apresentador, Tiago Leifert, não poupa piscadelas metafóricas ao público. Seja nos discursos em dias de eliminação, como quando fez uma comparação a Star Wars, no dia que Mark Hamil publicou uma mensagem sobre a disputa de Babu e Gizelly; seja em momentos de descontração, como quando chamou Manu Gavassi de Maria Manoela após ela conquistar a liderança, tal como ela se intitulou em um dos vídeos divulgado durante o reality em suas redes sociais.
Rafael Portugal, responsável pelo quadro CAT - Central de Atendimento ao Telespectador, uma das novidades bem-sucedidas do BBB 20, chegou a revelar a inspiração nas redes em entrevista à GaúchaZH, em março:
— Gosto de levar a discussão das páginas, do Twitter, Instagram e tudo isso para o programa, mas eu cuido com quem não tem acesso — afirmou o comediante. — Eu vejo muito o que o pessoal posta, está claro que a internet nunca se envolveu tanto como nessa edição.
Há tempos
A dedicação dos fãs de BBB nas redes pode estar sendo excepcional, mas não é sem precedente. As iniciativas paralelas vem de antes desta década: em 2003, um perfil na internet intitulado Tors dava início ao blog Jebal. Era janeiro e, sem grandes pretensões, ele começou a publicar textos sobre a terceira edição do Big Brother Brasil. Foi o primeiro espaço independente de discussão sobre o reality, mas de forma alguma foi único.
Com as redes sociais ainda engatinhando, teve início um grupo de blogs que ficou conhecido como Net.BBB, além de fóruns como o BBB.Lua e, mais tarde, comunidades no Orkut dedicadas à produção. A chegada do Twitter, em 2008, que facilitou a criação de fandoms, se encaixou perfeitamente à proposta do BBB.
Em nenhum outro lugar o Big Brother teve esse impacto. “O país é responsável por um fenômeno aparentemente singular no mundo: o do aparecimento espontâneo de uma comunidade online de grandes proporções de fãs”, destaca o doutor em Comunicação pela UFRJ Bruno Roberto Campanella, autor de Perspectivas do Cotidiano: um estudo sobre os fãs do programa Big Brother Brasil.
Dez anos após a tese do pesquisador, esses movimentos online cresceram ao ponto de decidir votações e vencedores. É como se, há quase duas décadas no ar, o BBB tenha crescido mais que seu suporte principal.
— Não é mais um programa televisivo, é uma expansão do universo do BBB, nesses outros canais — defende Arthur Guedes.