Lançada em março de 2018, a primeira temporada de O Mecanismo foi logo acusada por setores da esquerda de ser uma diatribe contra o ex-presidente Lula. De nada adiantou o diretor José Padilha reiterar que a série não era contra esse ou aquele partido, mas contra todos os que participariam do chamado "mecanismo": o sistema de governo lubrificado com propinas que, em seu entender, se instalou no país desde a redemocratização.
A segunda safra do programa, disponível na Netflix a partir de sexta (10), deixa esse posicionamento mais claro. Mas Padilha nega que tenha reagido às críticas e se esforçado para ser mais imparcial. Segundo ele, os novos episódios apenas seguem a linha do tempo da Operação Lava-Jato da vida real, que, depois de incriminar e prender vários petistas, avançou sobre o PMDB e o PSDB.
A princípio, os políticos pouco aparecem. Os primeiros capítulos da segunda temporada focam mais o aspecto policial da investigação. Há um tiroteio dentro de um barco no rio Paraná, que termina com um saldo de dois mortos — algo que nunca aconteceu de verdade. É eficiente como thriller, mas aumenta a ansiedade de quem quer ver logo os avatares de figuras como Lula (Gino), Dilma Rousseff (Janete Ruscov), Michel Temer (Samuel Themes) e Aécio Neves (Lucio Lemes).
Essa expectativa é plenamente atendida na segunda metade da temporada. Ricardo Bretch (a versão de Marcelo Odebrecht feita por Emilio Orciollo Neto) vai preso, denunciado por sua secretária, e entra em rota de colisão com o pai, dono da empreiteira Miller & Bretch. O senador Lucio Lemes aparece cheirando cocaína e dizendo que é preciso "estancar a sangria" provocada pela Lava-Jato.
A frase, dita por Romero Jucá em um telefonema grampeado em 2016, foi replicada por Lula/Gino (Arthur Kohl) na primeira temporada, e causou furor entre as hostes petistas. Para mostrar que a intenção dessas palavras é inerente a todo o "mecanismo", os roteiristas agora a puseram na boca de Lucio/Aécio. Vamos ver como reagem as redes sociais.
Os dramas pessoais do ex-policial Rufo (Selton Mello) e de sua colega ainda na ativa, Verena (Caroline Abras), ocupam boa parte do tempo, e não despertam maior interesse. Mas quem insistir será recompensado com um soberbo episódio final, repleto de bons momentos.
Há a dúvida que permeia alguns integrantes da Polícia Federativa (como a Polícia Federal é chamada na série) quanto à divulgação de uma conversa entre Gino e Janete, gravada fora do prazo estipulado. Há o impeachment de Janete, visto como um desdobramento catastrófico pelos protagonistas. E há até uma conclusão desalentadora sobre a ascensão de um deputado de extrema-direita, escrita e gravada antes da vitória de Bolsonaro.
Retratando acontecimentos de três anos atrás e lançada depois do resultado das eleições de 2018, a segunda temporada de O Mecanismo perdeu um pouco da urgência original. Mas oferece um panorama mais equilibrado do que se passou no Brasil nos últimos tempos. Talvez até os petistas gostem.