Atenção, o texto a seguir contém spoilers
Após oito temporadas, o público de Game of Thrones está acostumado com a perda de personagens queridos e importantes, reviravoltas mirabolantes e o fato de que tudo é muito cinza na saga – não há um bem ou um mal definitivo. Como já atestou o falecido vilão Ramsay Bolton (Iwan Rheon) em anos anteriores: "Se você acha que isso terá um final feliz, então não deve estar prestando atenção". No entanto, à medida que a série avança para o seu desfecho, cresce a insatisfação entre uma boa parcela dos fãs com os rumos da versão televisiva da saga, que chegará ao fim no próximo domingo (19).
São favas contadas: a cada episódio exibido nesta temporada, há um volume considerável de reclamações com a trama. Uma das críticas mais recorrentes é a descaracterização de personagens centrais – como a transformação acelerada de Daenerys (Emilia Clarke) em vilã e os erros estratégicos de Tyrion (Peter Dinklage), além de certas incoerências do roteiro.
No Rotten Tomatoes, site que agrega as notas de críticas de filmes e séries, a última temporada pode ter a pior avaliação de Game of Thrones. A cada episódio, a porcentagem de aprovação foi despencando. O primeiro capítulo foi bem, marcando 92%. Depois, a série atingiu 88% no segundo e 74%, no terceiro. No quarto, chegou a 58%. Por fim, o quinto episódio, que foi exibido no último domingo (12), está com 49% de aprovação até o momento – os números podem oscilar ainda conforme mais críticas ou avaliações forem publicadas.
Claro que Game of Thrones sempre apresentou suas inconsistências ou inverossimilhanças no roteiro – quem se lembra do "teletransporte" (deslocamentos geográficos repentinos entre pontos distantes de Westeros) na sétima temporada? –, que eram relevadas pelos fãs. Como diria a autora Gloria Perez ao responder sobre os furos da novela Salve Jorge, em 2013, é preciso voar, certo? Acontece. Porém, parece que os realizadores de GoT estão abusando de suas milhas aéreas na reta final.
Em Game of Thrones, nunca se esperou um final totalmente feliz, nem que agrade plenamente à base de fãs. A saga costuma trabalhar espetacularmente com a quebra de expectativas, deixando claro que qualquer personagem principal pode cair a qualquer momento – a decapitação de Ned Stark na primeira temporada e a matança no Casamento Vermelho são exemplos lembrados com um carinho agridoce pelos fãs. Contudo, sempre houve um desenvolvimento para esses momentos amargos, que, por mais chocantes que fossem, eram experiências satisfatórias.
Na oitava temporada, a sensação é de que está sendo pulada a importante parte da construção da trama, engatando a quinta marcha para apressar a conclusão. Com apenas seis episódios, que passam a faixa de 60 minutos, o tempo disponível pareceu pouco para o desenrolar da história.
Vale lembrar também que a série ultrapassou os livros da saga As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R.R. Martin, desde a sexta temporada. Embora tenha entregado bons momentos no sexto ano, a atração televisiva tem degringolado sem a obra literária para se amparar, não trabalhando os arcos como o autor costuma arquitetar. Assim, parece que a reta final não está sendo fiel ao que Game of Thrones costumava ser.
A seguir, confira algumas das reclamações mais recorrentes dos fãs sobre a última temporada.
A transformação de Daenerys
Em sua jornada pelo Trono de Ferro, Daenerys foi crescendo ao longo das oito temporadas: era uma menina vítima dos abusos do irmão, foi vendida a Khal Drogo (Jason Momoa), saiu da pira funerária do marido com três dragões, tornou-se uma líder libertadora ("quebradora de correntes") e livrou milhares de pessoas da escravidão. Sempre tentou promover justiça por onde passou, posicionando-se contra a tirania e buscando a ponderação. Ela ainda aliou-se ao Norte na luta contra os Caminhantes Brancos.
Entretanto, a Mãe dos Dragões seguiu os passos de seu pai, Aerys II Targaryen, também conhecido como O Rei Louco, e resolveu queimar a população inocente de Porto Real no quinto episódio. Essa transição de "quebradora de correntes" para rainha louca revoltou muitos fãs, que alegam que a personagem está saindo de suas principais características de maneira abrupta e forçada. Uma crítica recorrente aponta que ela foi vilanizada só para Jon Snow ser o herói.
Por outro lado, há quem argumente que a transformação de Daenerys já está sendo construída há um bom tempo, desde quando deixou o irmão morrer na primeira temporada. Em Essos, é possível lembrar que ela já havia dado sinais de tirania e sede pelo sangue, principalmente no tratamento dado aos Filhos da Harpia em Meeren. A loucura estaria no seu sangue também. Ela ainda sofreu grandes perdas recentemente: depois de Jorah (Iain Glen), o dragão Rhaegal e Missandei (Nathalie Emmanuel), ficando cada vez mais sem amigos e aliados.
Não que Daenerys não possa se tornar a rainha louca, isso é até condizente com a história de sua família Targaryen. No entanto, parece que a transição deveria ter sido um pouco mais elaborada para que não soasse apenas como uma irracionalidade da Mãe dos Dragões.
Ex-gênio
Muitos personagens aparentam estar descaracterizados na oitava temporada. Um bom exemplo é Tyrion Lannister, apontado como uma das mentes mais brilhantes de Westeros, mas que tem distribuído conselhos equivocados e elaborado estratégias errôneas.
Primeiramente, ele já havia sido ingênuo em acreditar que Cersei (Lena Headey) enviaria apoio à Batalha de Winterfell. A seguir, caiu na armadilha de Sansa Stark e contou o segredo da identidade de Jon Snow para Varys – o maior fofoqueiro dos Sete Reinos. No quinto episódio, ele foi além: acreditou que Dany aceitaria a rendição de Cersei e ainda arriscou seu pescoço libertando o irmão Jaime, para que ele salvasse sua irmã – a mesma que tentou matá-lo várias vezes.
A frase que Sansa disse a Tyrion no episódio de estreia da última temporada resume o sentimento dos fãs:
– Eu costumava te achar o homem mais inteligente do mundo.
Involução
Jaime Lannister (Nikolaj Coster Waldau) parecia caminhar para seu arco da redenção. Após sobreviver à Batalha de Winterfell e envolver-se com Brienne de Tarth (Gwendoline Christie), ele abandonou a cavaleira para voltar aos braços da irmã Cersei (Lena Headey). Embora mostre que ele não pode ser convertido e está preso ao amor fraternal, essa atitude causou uma frustração nos fãs que esperavam mais da jornada de nobreza que vinha sendo construída nas últimas temporadas. Jaime, que morreu como um gado atrás da irmã, poderia ter um fim melhor.
Outro ponto que não agradou a uma parte do público foi o choro de Brienne após ser abandonada por Lannister. "Como assim uma das mulheres mais fortes da série se desesperar por um macho?", questionaram. Mas aí vale lembrar que a cavaleira é humana e também tem sentimentos – ela pode amar e, consequentemente, se decepcionar.
Já Bran, que agora é o Corvo de Três Olhos e guarda em si a "memória do mundo", é um personagem apático dialogando por meio de enigmas, como se fosse um Mestre dos Magos (da série animada Caverna do Dragão).
Outro momento que causou estranhamento nos fãs ocorreu no quinto episódio: Arya Stark (Maisie Williams) passou boa parte da série obcecada por sua vingança contra uma lista de nomes, na qual Cersei estava no topo. A poucos metros da rainha, após viajar muitos quilômetros desde Winterfell até Porto Real, ela desistiu de tudo assim que Sandor Clegane (Rory McCann) a convenceu de que Cersei morreria de qualquer maneira. Pode ser, contudo, que tenha sido a melhor escolha para Arya, já que deu a ela uma chance de sobreviver.
Desfechos abaixo das expectativas
Há quem diga que a morte de Cersei Lannister no quinto episódio não fez jus à grandeza da personagem – vítima de um desabamento ao lado do irmão. Pode-se pensar que há um simbolismo em ser soterrada pelo desmoronamento da Fortaleza Vermelha, pela qual ela lutou durante boa parte de sua trajetória. Porém, os fãs queriam algo mais épico para a ex-ocupante do Trono de Ferro, além de mais tempo de tela para a personagem que foi reduzida na oitava temporada.
O mesmo ocorreu com o Rei da Noite. Embora a morte do líder dos Caminhantes Brancos pelas mãos de Arya Stark tenha sido bastante comemorada, alguns fãs acreditam que faltou solenidade com a história do vilão, quem sabe uma interação com Bran. Tudo ao longo de oito temporadas pareceu ter se desenvolvido para aquele confronto, que era a batalha mais importante da saga e foi resolvida em um ataque surpresa.
Como se fosse fanfic
A oitava temporada ainda ficou devendo bons diálogos, que sempre marcaram GoT. Já no capítulo de estreia, a sequência do passeio de Daenerys e Jon Snow pelos céus do Norte em seus dragões trouxe falas pavorosas, que pareciam saídas de uma fanfic (narrativa ficcional escrita e divulgada por fãs com base em produtos como séries e filmes, por exemplo).
Aliás, nem o pior dramalhão mexicano teria falas tão canastronas como as que Tyrion proferiu para Cersei no final do quarto episódio, com frases como "eu sei que você não é um monstro".
Inconsistências e deslizes
- No quarto episódio, Daenerys sobrevoava com seus dois dragões a frota de barcos rumo à Pedra do Dragão. Rhaegal foi atingido por uma lança gigante disparada pela frota de Euron Greyjoy. Lá do céu, como foi que Dany não visualizou todos aqueles navios a caminho? Como não havia uma embarcação batedora para averiguar se a barra estava limpa?
- No quinto episódio, Daenerys usa Drogon para destruir Porto Real e toda a frota de Euron. O dragão já não poderia ter atacado os navios na ocasião em que seu irmão foi derrubado?
- A ideia de esconder mulheres e crianças nas criptas de Winterfell, na batalha contra o Rei da Noite, foi de uma inocência que beirou a estupidez. Com um comando, ele ressuscitaria os cadáveres das tumbas. E assim o fez.
- No quarto episódio, um copo de café, no estilo usado pela marca Starbucks, estava presente na mesa em que estava sentada Daenerys. Parece que a Mãe dos Dragões chegou ao Norte abrindo uma cafeteria em Winterfell.
- Erraram de novo: em vez de café, a mão decepada de Jamie Lannister voltou em uma imagem de divulgação, em que o Regicida abraça sua irmã. É possível ver sua mão direita nas costas da rainha.