A carreira de Chloé Zhao com seu terceiro longa-metragem, Nomadland, tem sido de sucesso e premiação desde o Festival de Veneza, em setembro, quando levou o Leão de Ouro. De lá para cá, não foram poucas as vezes que apareceu na tela, em geral metida numa simples camisa xadrez e cabelos em trancinhas, para agradecer aos dois Globos de Ouro, quatro Baftas, Directors Guild, Producers Guild, quatro Independent Spirit Awards e muitos outros troféus.
A cena deve se repetir na cerimônia do Oscar neste domingo, 25, a partir das 21h no horário do Brasil. Nomadland concorre a seis estatuetas: filme, direção, roteiro adaptado, edição, atriz (Frances McDormand) e fotografia. Nas duas primeiras categorias, só uma zebra tira o troféu de suas mãos. E, se assim confirmado, ela será a segunda mulher a levar o prêmio de direção, a primeira não-branca, a primeira chinesa.
Chloé Zhao nasceu em Pequim, há 39 anos. Mas seus três longas até agora exploram a paisagem natural e humana dos Estados Unidos, em todas as suas complexidades e contradições.
— Os Estados Unidos são tão diversos quanto seus cenários — disse, em entrevista na qual o Estadão era o único jornal brasileiro, via videoconferência, logo após o Festival de Toronto.
— Eu amo essa terra e amo esse povo. Eu amo como este país é variado e complicado. Ele me inspira a fazer filmes.
Seu grande defeito, ela contou, é a comida, saudável demais, pelo menos na Califórnia. Fazem-lhe falta os pratos apimentados de Sichuan.
Oeste mítico.
Seus filmes — além de Nomadland, Songs My Brothers Taught Me (canções que meus irmãos me ensinaram, na tradução, disponível na MUBI) e Domando o Destino (Telecine) — se passam no mítico Oeste americano que, tradicionalmente nos westerns, foi sinônimo de conquista e violência, mas também de riqueza, futuro, possibilidade. Para Zhao, as paisagens continuam belíssimas e quase intocadas. Mas ela volta seu olhar para os indígenas, por exemplo, em seus dois primeiros longas. E, em Nomadland, para os americanos brancos, com mais de 50 anos, deixados para trás pelo sonho americano, se é que um dia ele existiu.
São homens e mulheres como Fern (Frances McDormand), que fizeram de vans as suas casas e percorrem o Oeste atrás de trabalhos temporários para sobreviver. Em seus caminhos, encontram-se e se desencontram. "Nos vemos por aí" é a despedida preferida de Bob Wells, um dos personagens reais que têm a vida ficcionalizada em Nomadland.
McDormand é a primeira atriz profissional a trabalhar com Chloé Zhao, que sempre usou pessoas comuns emprestando suas presenças e suas histórias. Foi a atriz quem abordou a diretora depois de assistir a Domando o Destino, no Festival de Toronto. Ela que deu a ideia de adaptar o livro-reportagem Nomadland — Surviving America in the Twenty-First Century (Nomadland - Sobrevivendo à América no Século 21, na tradução livre), de Jessica Bruder.
— Para funcionar, Frances tinha de desaparecer — explicou a cineasta.
E foi o que aconteceu. Filmando num banheiro num camping, um sujeito enrolado numa toalha perguntou se ela era a Frances McDormand. A resposta da atriz?
— Não, eu sou sua hostess no camping, Fern.
Zhao foi criticada por não falar da exploração que essas pessoas sofrem em trabalhos precários. Nomadland também não expõe a visão política dessa gente que, sendo branca e de meia-idade, naquela região dos Estados Unidos, seria facilmente rotulada de "boomers do território Trump".
— Eu sei que, só de apontar a câmera, alguém vai ver algo político — disse ela. — Mas o que eu acho é que, quando um tornado vem chegando, não importa em quem você votou para presidente. É preciso trabalhar juntos para sobreviver.
Para ela, este é o espírito dos pioneiros americanos, que se perdeu:
— Eu só espero que meus filmes possam ajudar a lembrar aos espectadores quanto temos em comum e quanto estamos conectados."
Humanidade
A história importa pouco em sua obra. Seu interesse está em mostrar a humanidade daqueles que retrata. E, assim, as contradições e a falta de clareza aparecem. A crise de 2008 tem reflexos profundos na sociedade americana até hoje, principalmente em determinadas comunidades. Cidades inteiras foram varridas do mapa. A ida para o Oeste, que representava possibilidade, futuro e fortuna, hoje é uma jornada a esmo, pela sobrevivência.
Chloé Zhao evita as respostas simples. Nem todo o mundo que colocou o pé na estrada é apenas uma vítima da falta de empregos decentes para a classe trabalhadora. As motivações se misturam e se confundem. Uns perseguem o sonho de liberdade representado pelo Oeste. Outros escolhem viver com menos, por necessidade ou vontade. Existem aqueles à procura de si mesmos. Ou de reinvenção.
— Talvez eu mesma esteja buscando isso — disse Zhao. — Muitos têm a sorte de nascer com uma noção de quem são. Eu não sou assim. Constantemente, tento descobrir quem sou. Encontrar quem se reinventou depois de uma tragédia ou num estágio mais tardio da vida é muito reconfortante.
E há os que tentam fugir da perda. Esse luto pode ser por uma pessoa, por todo um estilo de vida passado ou, simplesmente, por um país que não existe mais. Não à toa, Nomadland, muitas vezes, parece um elogio fúnebre filmado na hora mágica, com céus tingidos de rosa, laranja e lilás.
Curioso imaginar como vai ser a próxima aventura de Chloé Zhao, que abandona não apenas o Oeste americano, mas os Estados Unidos e até o planeta Terra. Com Eternos, do estúdio Marvel, ela também deixa os filmes independentes, os elencos de não profissionais e personagens humanos para falar de uma turma de extraterrestres cheios de poderes.
— Eu acho que meu processo criativo não mudou muito. Na verdade, trabalho com um grupo bem pequeno e íntimo na Marvel. E, de novo, começamos com um mundo que amamos, personagens que adoramos e encontramos a história que desejamos contar.