Sem perspectiva de retornar às atividades normais pelos próximos meses, muitos artistas têm recorrido a editais emergenciais para minimizar o impacto da crise gerada pela pandemia de coronavírus sobre suas carreiras. Apesar das iniciativas de instituições públicas e privadas oferecerem algum alento para o setor criativo, profissionais de diferentes perfis tiveram suas rendas bruscamente reduzidas nos últimos meses, necessitando algumas vezes engajar-se em um trabalho paralelo.
Com mais de dez anos de atuação no setor cultural, o músico João Seben foi um dos contemplados pelo edital FAC Digital, iniciativa da Secretaria Estadual da Cultura (Sedac) que investiu R$ 3 milhões para geração de renda e conteúdo digital durante a pandemia. Apesar da cifra milionária, o montante que chegou a cada artista é bem mais modesto, já que o valor foi dividido em 1.940 projetos, cabendo R$ 1,5 mil para cada.
Morador de Farroupilha, Seben vinha se dedicando à divulgação e prática do choro na Serra Gaúcha. Há quatro meses sem poder executar shows e oficinas, suas principais fontes de renda, Seben tem ministrado aulas on-line, mas viu seu orçamento mensal ser reduzido pela metade. Devido à situação, a verba recebida pelo FAC Digital foi um estímulo importante para a realização de novos projetos, como aponta o instrumentista:
– O FAC Digital, assim como outros editais de fomento cultural, é de máxima importância para o desenvolvimento da cadeia produtiva das artes, pois é a forma do artista executar suas ideias e projetos. Trabalhei com poucos projetos via edital até agora. Inclusive estou no momento fazendo um curso de produção cultural visando me desenvolver nessa área por mim ainda pouco explorada. Hoje, por exemplo, devo estar inscrito em dois ou três editais ainda em fase de seleção, e escrevendo projetos para outros que virão – conta Seben.
Para quem ainda vem trabalhando na consolidação de uma carreira no meio cultural, a situação pode ser de maior vulnerabilidade. É o caso do ator Tiago Martinelli Nogueira, de Montenegro. Aluno de Licenciatura em Teatro na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), Nogueira participa há dois anos do grupo teatral Atrito, de Porto Alegre, que vinha com uma crescente agenda em festivais e outros eventos da Capital e do Interior. Além disso, começaria no mês anterior um estágio em um jornal de Montenegro, que buscava um ator para produzir conteúdo para as redes sociais e em interações de encontros presenciais.
Com o avanço da pandemia, o estágio de Nogueira foi cancelado, assim como uma temporada com o Atrito na Casa de Cultura Mario Quintana.
– Logo que entramos na pandemia eu estava desempregado, vendo meu mundo cair. Tudo foi cancelado. Naquele momento, fui bem afetado. Não via saída. E aí comecei a procurar trabalho fora da cena teatral – conta Nogueira.
Atualmente, o ator tem trabalhado como auxiliar administrativo em uma farmácia de Montenegro. Ele também foi contemplado com o FAC Digital, e deve dividir os R$ 1,5 mil entre os 12 integrantes da Atrito, para montar um trabalho coletivo pela internet. Apesar de, ao final, o valor recebido pelo trabalho ser reduzido, Nogueira avalia que o edital foi um grande estímulo para o grupo:
– Proporcionou ter ao menos um valor pela produção virtual, que no momento tem sido a saída para muitos grupos.
Os editais também tem contribuído para promover interação entre diferentes agentes do campo cultural. Na literatura, área em que a criação e consumo são realizados de maneira mais solitária, festas literárias e outros eventos possibilitavam a interação entre escritores, editores e leitores. Para quem está dando seus primeiros passos nessa arte, editais emergenciais da pandemia têm promovido interessados pelo tema. É o caso de Júlia Azzi, que foi selecionada no projeto Arte Como Respiro, da fundação Itaú Cultural. Como prêmio, um texto da autora entrou para uma coletânea com 200 autores de 24 Estados do Brasil, além de R$ 2,5 mil em dinheiro.
– Um edital como esse é importante, em primeiro lugar, por possibilitar uma oportunidade de divulgar meu trabalho. Nessa época em que estamos todos afastados, é fundamental algo que ainda possa conectar, estabelecer diálogos e reflexões entre diferentes autore. Além disso, é claro que o incentivo financeiro dado pelo concurso ajuda a respirar um pouco nesse momento de completa insegurança sobre como tudo vai se desenrolar.
Além do FAC Digital, iniciativa do governo do Estado, o Rio Grande do Sul tem mais prefeituras e entidades que abriram editais de emergência. A Prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, destinou R$ 575 mil em dois editais, para pessoas físicas e jurídicas. Da mesma forma, a Fundação Cultural Gaúcha – MTG está com chamamento aberto para o programa Invernadas Culturais, destinado a oficineiros de diferentes áreas, contemplando 30 propostas de R$ 5 mil.
O maior aporte, no entanto, deve ser federal, com a Lei Aldir Blanc, que deve destinar R$ 3 bilhões para a classe artística. Aprovada pelo Planalto, a lei aguarda regulamentação, mas a perspectiva é de que a verba chegue em estados e municípios na primeira semana de agosto.
O texto prevê o pagamento de auxílio de três parcelas mensais de R$ 600 para artistas informais. Além disso, haverá subsídio para manutenção de espaços, pequenas empresas e organizações comunitárias que pode variar entre R$ 3 mil e R$ 10 mil por mês.