Não é só o artista: a música também pode impactar uma cadeia produtiva muito ampla no Rio Grande do Sul. Inclua aí transporte, hotelaria, comércio e tecnologia da informação. É o que aponta o estudo Impactos econômicos de atividades culturais: o caso da música, elaborado por pesquisadores do Departamento de Economia e Estatística (DEE), a partir de uma parceria entre a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag) e a Secretaria da Cultura (Sedac). A pesquisa foi divulgada nesta quinta-feira (27).
Para se ter ideia, segundo o estudo, a cada R$ 100 destinados a eventos musicais, R$ 44,50 são utilizados para pagamentos de artistas e de pessoal diretamente envolvidos na produção. Já R$ 55,50 movimentam setores de outras áreas da economia — como comércio, indústria e serviços.
Segundo nota do governo do Estado, a pesquisa dá sequência aos trabalhos que visam subsidiar a implementação do RS Criativo, programa da Sedac para fortalecer a economia criativa do Estado. De acordo com o comunicado, o estudo tem como objetivo "analisar o impacto das atividades musicais na geração de postos de trabalho e seus reflexos em outros setores".
A pesquisou se baseou nas prestações de contas de projetos de eventos musicais beneficiados pela Lei de Incentivo à Cultura (LIC) entre 2014 e 2019. Dos 288 projetos realizados no período no Estado, foi selecionada uma amostra aleatória de 97.
Destes, 71,2% foram desenvolvidos em cidades do Interior, enquanto 28,8% ocorreram na Região Metropolitana de Porto Alegre. Em relação à porcentagem de recursos alocados nos eventos, 59,5% ficaram no interior gaúcho e 40,5% na Região Metropolitana.
Embora o foco da pesquisa tenha sido os projetos musicais, muitas reflexões do estudo podem se estender à cultura como um todo. Para Beatriz Araújo, secretária da Cultura do RS, o que foi apresentado é muito significativo. Ela indica que é possível observar semelhanças do estudo do setor com outros segmentos artísticos que também têm características semelhantes às da música em termos de produção de eventos e a contratação de profissionais, além do impacto em mais setores da economia.
— A pesquisa reforça o que nós pensamos, sabemos e acreditamos. Ao mesmo tempo, oferece indicadores que vão facilitando o trabalho da Sedac no que diz respeito à criação ou fortalecimento de políticas públicas de cultura.
Conforme o pesquisador do DEE Tarson Nuñez, um dos responsáveis pelo estudo, o objetivo do trabalho é prover evidências empíricas para algo que as pessoas da área já sabem:
— As atividades culturais não se encerram no valor intrínseco que elas têm, seja na importância da cultura e da arte, mas também têm o papel de alavancar um conjunto de atividades econômicas que vão muito além dos artistas.
Na divulgação da pesquisa, foram ressaltadas as dificuldades para o estudo do emprego na cadeia da música, caracterizada pela "alta informalidade, ausência de uma base de dados estatísticos, heterogeneidade e complexidade".
"A natureza dos postos de trabalho gerados por eventos musicais é mais precária do que a dos empregos formais permanentes, limitados ao tempo de duração do projeto", diz a nota. Conforme a pesquisa, considerando artistas e equipes de produção, são 64 as ocupações profissionais envolvidas na realização desses eventos no Estado.
No setor de serviços, entre os diretamente relacionados a shows (som, luz, estrutura e comunicação) e os adicionais (transporte, hospedagem e alimentação) são 46 diferentes tipos de empreendimentos movimentados com a realização de um projeto. O estudo aponta que, consequentemente, as micro e pequenas empresas locais acabam sendo beneficiadas.
Segundo Tarson, a pesquisa refuta uma ideia disseminada no Brasil de que o investimento público em cultura via leis de incentivo é "dar dinheiro para artista".
— A pesquisa mostra que mais da metade do recurso se espalha por outros setores da economia. Desde o jornal local que vai fazer a propaganda, desde a gráfica que vai imprimir os bilhetes, desde o pessoal que vai montar as estruturas de palco, desde o pessoal que vai realizar a iluminação. Ou seja, junto de outras atividades econômicas que são geradoras de oportunidades de emprego e são significativas, são proporcionadas a partir deste investimento na cultura — explica.
De acordo com o pesquisador, esse retorno não só vale para os recursos que estão financiados pelas leis de incentivo fiscal, mas todo e qualquer evento musical, que carrega junto um conjunto de atividades econômicas.
— Qualquer país desenvolvido tem políticas de apoio ao setor, por sua capacidade de geração de trabalho e de renda — sublinha.
Tarson ressalta que as atividades artísticas não podem ser só consideradas por seu valor cultural intrínseco, mas também como uma atividade econômica relevante:
— Por exemplo, o Estado dá suporte ao setor primário quando há uma crise no arroz, ou quando há um problema na indústria calçadista. Facilmente isso surge na agenda política do Estado. Esses estudos que a gente vem fazendo buscam demonstrar que também a área cultural é relevante para o desenvolvimento econômico do RS e que ela deva ser tratada dessa maneira. De jeito nenhum que os recursos investidos na área são perdidos, pelo contrário.
O pesquisador utiliza como exemplo a Califórnia, em que a indústria do entretenimento movimenta boa parte da economia do estado americano.
— A vida mostrar que o setor da economia criativa é cada vez mais importante para o triunfo econômico de qualquer país. Não podemos ficar baseado única e exclusivamente na produção primária —pontua.