Um dos expoentes mais prolíficos da música instrumental no mundo, acostumado a perambular entre continentes para tocar e documentar histórias ao violão, Yamandu Costa está isolado atualmente em Lisboa. Vivendo há menos de seis meses na capital portuguesa, estava ainda se adaptando à cidade quando a pandemia de coronavírus avançou sobre o mundo. Da sua casa de dois pisos, no bairro de Arroios, aproveita o momento para ficar mais próximo dos filhos Benício, de nove anos, e Horácio, de sete, e colocar em dia projetos que andavam mais devagar devido à rotina intensa de viagens.
O primeiro resultado da imersão de Yamandu em seus arquivos musicais acaba de sair. É o álbum Festejo, gravado com o multi-instrumentista mineiro Marcelo Jiran. Disponível nas plataformas de streaming, conta com 12 faixas explorando ritmos e sonoridades caribenhas. O repertório inclui combinações autorais e versões de temas conhecidos nessa tradição musical, como Adiós, de Enric R. Madriguera, e Danzon N.2, de Arturo Márquez.
– Sempre quis fazer um disco como esse, com sonoridade mais leve, para tocar em uma festa ou em um churrasco, por exemplo – explica Yamandu. – E, nos últimos anos, tenho me aprofundado e admirado cada vez mais a música caribenha.
Além do violão de sete cordas do instrumentista gaúcho, o disco conta com piano, baixo, sopros e percussão – todos tocados por Marcelo Jiran.
– Eu brinco que o Marcelo é um homem-orquestra. Tudo foi feito com muito cuidado, lentamente. Às vezes, ele me enviava as bases para eu colocar o violão em cima. Eram arquivos de áudio com 36 pistas, com instrumentos diferentes – relata Yamandu.
Sem previsão para o retorno da agenda de shows, o violonista quer lançar ao menos mais um álbum neste ano. Na gaveta, tem os arquivos de um disco de chamamés gravado com Luiz Carlos Borges e os irmãos argentino Rudi e Nini Flores – o último morto em 2016. Além disso, também tem uma coleção de faixas registradas ao lado do acordeonista Bebê Kramer.
– Essa revolução digital que vivemos é perfeita para gente inquieta. Você consegue dar vazão aos projeto. Uma vez, a gente saía para pescar com um caniço. Agora sai com 10 – compara.
Os planos não param por aí. Yamandu já está ensaiando um novo reportório com a esposa, a também violonista Elodie Bouny, para publicar em vídeos ou em transmissões ao vivo nas redes sociais. E ainda trabalha na montagem de um trio com a inusitada formação de violão, guitarra portuguesa e bandoneon.
– As musicalidades do Rio da Prata, do Rio de Janeiro e de Lisboa têm uma ligação. O violão pode representar um fio condutor entre essas culturas – avalia Yamandu.
No meio de tanto trabalho, o músico ainda encontra tempo para tomar uns mates – segundo ele, é mais fácil comprar erva-mate em Lisboa do que no Rio, onde morava anteriormente – e alfabetizar o pequeno Horácio. Com apoio do material pedagógico oferecido pelo colégio do filho, tem ensinado o jovem a ler as primeiras palavras.
– Aqui em Portugal, você sente uma preocupação muito grande da sociedade com a educação em tempos de pandemia. Ontem minha esposa foi chamada para uma visita à escola. Ao chegar lá, descobriu que era para oferecerem um laptop para as crianças executarem as tarefas em casa. É uma escola pública. Isso é emocionante – afirma Yamandu.