Por Adriana Donato
Produtora cultural, doutoranda em Políticas Públicas (UFRGS)
Hamilton Braga
Professor e produtor cultural
De repente uma sigla virou o mundo de cabeça para baixo. “Covid-19” está em todas as mídias, assim como #ficaemcasa. Isso nos traz, além de dúvidas e preocupações, um novo olhar para a realidade. Gestos simples e esquecidos como tirar os sapatos e lavar as mãos ao chegar em casa voltaram a fazer parte de nosso cotidiano. E a imunidade? Tornou-se fundamental dormir bem, ter uma alimentação saudável, realizar exercícios físicos regulares, fazer alongamentos, meditação, pegar alguns minutos de sol...
Improvisam-se novas formas de trabalhar e de produzir cultura. Cursos online e tours virtuais em grandes museus já existiam. Mas... espetáculos de teatro e shows musicais pensados para a telinha do celular?
A partir do isolamento, surgem editais específicos para o período como forma de compensar os enormes prejuízos do setor artístico-cultural. Contudo, acreditamos que incentivar a cultura vai além disso. Cultura movimenta a economia!
Em 2018, foi realizada uma pesquisa pela Fundação Getúlio Vargas, encomendada pelo Ministério da Cultura (atualmente transformado em Secretaria Especial) para mostrar os impactos da Lei de Incentivo à Cultura, a famosa Lei Rouanet, sobre a economia nacional. Esse estudo apontou que as atividades culturais trazem um retorno econômico superior ao montante que o Estado efetivamente investe nelas. Os números mostraram que, para cada real investido, há um retorno R$ 1,59.
Outros dados interessantes são de que a cultura respondia por 2,64% do PIB naquele momento e que o incentivo fiscal concedido ao setor representava apenas 0,64% da totalidade da renúncia fiscal permitida pelo governo federal. Além disso, trabalho realizado sob os auspícios da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro demonstrava que as atividades culturais pagam R$ 10,5 milhões de impostos por ano.
Outros dois levantamentos mais recentes – um estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no final de 2019 e dados contidos no extenso painel lançado em 2020 pelo Observatório Itaú Cultural a respeito do panorama econômico dos setores cultural e criativo brasileiros – comprovaram a rentabilidade da cultura, demonstrando que essa importante atividade ocupa cerca de 5 milhões de pessoas no país, sendo em torno de 990 mil na Região Sul. Hoje, o setor é responsável por 4% da receita bruta total da economia brasileira. E cabe lembrar que a cultura já representou 7% do PIB mundial.
Esses dados ilustram o quanto o setor criativo pode influenciar o contexto social, sob outra dinâmica de tempo e espaço. A cultura está diretamente relacionada ao desenvolvimento humano e social, e não se pode dizer que a dimensão cultural do desenvolvimento seja apenas econômica.
Em artigo publicado na Revista Observatório nº 23, o professor e pesquisador Geoffrey Crossick, diretor do Conselho de Pesquisa em Artes e Humanidades do Reino Unido, ressalta que “as artes e a cultura ajudam a formar indivíduos reflexivos, com melhor entendimento de si mesmos, maior empatia em relação aos demais e melhor apreciação da diversidade humana”. E isso não é pouca coisa.
A cultura possui inegável capacidade mediadora e de conexão entre os seres humanos. Por isso, ela é sempre transformadora.
Não há dúvida de que a cultura e a arte podem mobilizar a sociedade e o mundo. Neste momento, a mobilização precisa se dar também para contemplar os trabalhadores da área que – como todos os demais trabalhadores – precisam ficar em casa. Artistas de todas as áreas e linguagens, produtores culturais, escritores, jornalistas, todos os que movimentam a indústria cultural e criativa realizam diariamente ações dirigidas ao conjunto da população com o objetivo de minorar o desconforto do confinamento.
Nas janelas, nas sacadas e nos pátios dos condomínios ocorrem pequenos espetáculos de dança, canto, poesia, música, aulas, tudo transmitido para a população por meio das mídias eletrônicas. Tudo para enriquecer a alma de uma sociedade que está emocionalmente fragilizada.
A relação entre arte e sociedade quase sempre foi biunívoca. Não resta dúvida de que arte e cultura estão relacionadas ao desenvolvimento humano e social. Há uma sociedade em transformação; há artistas em transformação. Há, entretanto, um impasse neste momento. Que torna importante questionarmos: como fazer perdurar essa relação?