Por Adriana Amaral
Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Unisinos
Em 1980, o inglês Paul Weller, vocalista e letrista da banda de rock The Jam, ironizava o cenário do entretenimento dos jovens da classe operária britânica no hit That´s Entertainment (do álbum Sound Affects). Naquele contexto, a emergência da televisão e a imagem de uma banda ensaiando em alguma cidadezinha do interior capturavam o imaginário de tédio da juventude em meio a Guerra Fria que apenas aguardava pelos feriados para poder se divertir. Corta para 2020.
Quarenta anos se passaram e as profundas transformações na sociedade e nos domínios do entretenimento colocam a canção citada acima quase como um objeto arqueológico, um artefato de outra era. Porém, em tempos de lockdown, isolamento, distanciamento social e das mediações tecnológicas durante a pandemia de coronavírus, como refletir sobre o consumo de entretenimento no futuro? Como será a reconfiguração dos movimentos e culturas juvenis em um mundo pós-aglomerações e pós-contatos imediatos entre seres humanos?
Muitos têm se aventurado a descrever cenários futuros, mas a realidade é que, nesse exato momento, ninguém sabe exatamente quais as transformações serão mais ou menos aceitas. No entanto, algumas pistas e tendências vão se desenhando à medida que os dias passam e a partir de algumas inferências culturais que já estavam em andamento no comportamento de consumo de determinados grupos.
Antes que arrisquemos algumas apostas, é preciso refletir que movimentos culturais funcionam em fluxos nas mais diversas direções de circulação e agenciam uma série produtos culturais, de atores sociais envolvidos para além de conglomerados midiáticos, artistas, celebridades, produtoras, consumidores, algoritmos e dados. O presente ainda está se desdobrando entre uma mensagem e uma chamada de vídeo de trabalho, entre o tempo que passamos higienizando as compras do supermercado e organizando a agenda de lives.
Num momento inicial, as indústrias criativas entenderam que a pandemia poderia permitir um aumento de horas de consumo de streaming de música e ficção audiovisual. No entanto, o que o volume de dados de algumas plataformas demonstrou é que aquele não era o momento para ouvir música ou assistir a uma comédia. Era o momento do silêncio e do consumo de informação e de notícias, cujo caráter surreal superou por vezes a imaginação ficcional.
Temos, por exemplo, a procura por produtos que podem nos ajudar a compreender o “espírito do tempo”, o que explica a procura por livros, filmes e seriados sobre pandemias e vírus nos mecanismos de busca da internet e nas plataformas de streaming de audiovisual. As narrativas pós-apocalípticas e distópicas são uma constante há um bom tempo e devem ficar ainda mais populares.
Há também o consumo de playlists musicais específicas para determinadas atividades (como meditar ou relaxar) fazendo com que as batidas por minuto das canções da música pop, que há tempos andavam aceleradas nas paradas de sucesso, caíssem para ritmos mais lentos – de acordo com dados recentes do Spotify, por exemplo. Ou ainda canções que lidem com tipos de sofrimento catártico como as lives de sertanejos ou de bandas emo. A nostalgia, que já era um elemento central – afetivo e mercadológico –, continua sendo um ponto importante de consumo nesse futuro incerto, haja vista apresentações “ao vivo” direto da casa de artistas de muito sucesso nos anos 1980, 1990 e 2000.
A performatização da intimidade continuará trazendo novos tipos de celebridades em busca de likes e estilos de vida mais diversos. Os influencers do futuro continuarão com sua base de fãs, porém, o escrutínio e a análise de uma certa falta de criatividade para além de dicas de autocuidado e opiniões senso comum demonstram um certo esgotamento do modelo de aspiração e influência.
Na contramão disso, apresentações de artistas virtuais/ inteligências artificiais como performers em shows realizados em ambientes digitais podem vir a se popularizar de forma mais efetiva, gerando menos riscos de contato presencial. Na outra ponta da balança, a saturação do público com o excesso de efeitos visuais produzidos digitalmente de determinados produtos cinematográficos ou audiovisuais talvez possa gerar um retorno à filmes focados em diálogos ou em simples situações cotidianas.
O que sabemos é que histórias continuarão a ser contadas, canções serão cantadas, afetos por artistas e celebridades serão renovados nas mais diferentes plataformas.
Já o tédio das pessoas, aliado à popularização das tecnologias para produção e consumo de entretenimento, pode fazê-las retomar os espaços públicos, ainda que sejam espaços virtuais, com passeios através de um avatar de videogame, um tour por um museu virtual ou comentando um reality show te televisão com os amigos em tempo real.
Quando o futuro próximo parece um conceito distante, com várias possibilidades, seguimos “assistindo à TV” e aguardando pelos feriados, como descreveu Paul Weller há 40 anos.
Este artigo integra uma série de cinco textos nos quais, convidados por GZH, pesquisadores refletem sobre mudanças na sociedade pós-pandemia. Leia os demais: