O fim do Ministério da Cultura foi um erro e o Estado deve ser a força motriz do setor no Brasil. Foi este o tom do encontro inédito entre cinco ex-titulares da pasta que se reuniram nesta terça-feira (2), em São Paulo, para divulgar um documento crítico às políticas do governo Bolsonaro para a área.
Após uma reunião de cerca de três horas no Instituto de Estudos Avançados da USP, Luiz Roberto Nascimento (na pasta durante o governo Itamar Franco), Francisco Weffort (gestão Fernando Henrique Cardoso), Juca Ferreira (governos Lula e Dilma), Marta Suplicy (governo Dilma) e Marcelo Calero (gestão Temer) publicaram uma carta na qual discordam das principais diretrizes culturais do atual governo.
Além da extinção do MinC, eles se posicionam contrários também ao "contingenciamento do Fundo Nacional de Cultura" e à "demonização das redes de incentivo", caso da Lei Rouanet.
— O governo não percebe a importância da cultura para o desenvolvimento da nação e da economia — disse Marta Suplicy.
Em novembro do ano passado, a equipe de Bolsonaro divulgou que a área de cultura deixaria de ter um ministério próprio e seria incorporada ao recém-criado Ministério da Cidadania — que incluiu também as pastas de Esporte e Desenvolvimento Social.
Em abril, o governo federal anunciou ainda mudanças na Lei Rouanet. Segundo as normas publicadas no Diário Oficial, cada projeto, salvo exceções, tem agora um teto de R$ 1 milhão — e não mais de R$ 60 milhões, como ocorria até então —, entre outras mudanças.
Luiz Roberto Nascimento Silva lembrou que o rebaixamento da pasta da Cultura de ministério para secretaria não é inédita e já havia ocorrido durante o governo Collor.
— Nós já vimos o impacto disso. A asfixia do ponto de vista econômico é preocupante — afirmou.
— O país precisa gerar empregos. E estudos comprovam que a cultura tem impactos econômicos positivos. Acontece que, no governo, a retórica se torna mais importante do que os resultados — disse Calero.
O encontro se soma a outras reuniões entre titulares de ministérios de gestões passadas, em uma onda inédita de protestos contra medidas do governo Bolsonaro.
Em maio, sete ex-chefes da pasta do Meio Ambiente se reuniram na USP para criticar o que classificaram como desmonte das políticas ambientais. Em junho, também se sentaram à mesma mesa seis ex-ministros da Educação contra a "perseguição ideológica" e os cortes de verbas na área.
No mesmo dia, 11 ex-titulares da Justiça e Segurança Pública escreveram um artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo em defesa do controle de armas. Nesta segunda (1º), foi a vez de ex-ministros da Ciência lançarem um manifesto contra as medidas de Bolsonaro na área.
Os ex-ministros da Cultura também levantaram a questão da perseguição do governo à classe artística. Para Juca Ferreira, a cultura e a educação estão sofrendo um processo de demonização atualmente.
— Há a construção de um ambiente hostil à cultura no Brasil. E artistas já estão sentindo essa perseguição — diz o ex-ministro de Lula e de Dilma.
Para Marta Suplicy, contudo, o setor cultural brasileiro não corre o risco de extinção sem os mecanismos de fomento ou as políticas públicas — mesmo que o documento publicado nesta terça afirme que "o Estado tem responsabilidades intransferíveis para o desenvolvimento social e cultural do país" e que cabe ao governo proporcionar "espaços, oportunidades e autonomia para que a cultura se produza".
— O que dizemos é que vai dar trabalho reconstruir tudo o que estão jogando no lixo — afirmou a ex-ministra.
De acordo com o grupo, a escolha dos nomes para participar do evento levou em conta quem esteve no cargo desde o surgimento da pasta, em 1985, mas nem todos os que passaram pelo MinC foram convidados.
— Os motivos são diversos — disse Francisco Weffort.
Mesmo vivendo em São Paulo e atualmente à frente da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do governo de São Paulo, Sérgio Sá Leitão não participou da reunião. Ele foi o último nome a ocupar o cargo, quando a pasta ainda tinha o status de ministério, na gestão de Michel Temer.