* Por Igor Gielow
A divulgação da primeira imagem de um buraco negro pela equipe que opera o Telescópio Horizonte de Eventos na última quarta-feira (10) lança luz, com o perdão da contradição em termos, sobre um subgênero muito atrativo da ficção científica.
Desde que a Teoria Geral da Relatividade de Einstein ganhou projeção fora das intrincadas mesas de cálculo nas quais cientistas se digladiavam com suas proposições, a cultura pop tratou de absorver os conceitos mais facilmente compreensíveis.
Com a aceitação da existência de buracos negros em 1964, tão polêmica que para alguns talvez apenas a imagem revelada pelos astrônomos nesta quarta no centro da galáxia M87 coloque um ponto final na questão, abriu-se uma avenida de possibilidades narrativas sobre o tema.
Lá estão questionamentos sobre tempo, o espaço e a própria natureza das coisas: como lidar com tal inexorabilidade como a apresentada pelo aprisionamento da luz? Alguns livros tratavam hipoteticamente do assunto antes, mas é possível estabelecer os anos 1960 como o berço de uma subcultura do buraco negro. A maioria das duas ou três dúzias de livros de ficção produzidos acabava emprestando terminologias e conceitos incorretos, como a ideia de usar o evento como ponte para outro local no tempo-espaço.
O conceito da distorção temporal causada pela gravidade é fascinante em si, e direciona mesmo sem ser citado nominalmente clássicos que nada têm a ver com buracos negros, como O Planeta dos Macacos (Pierre Boulle, 1963).
No campo em questão, gerou livros populares, como Gateway (1977), de Frederik Pohl, que empolgavam leitores com as possibilidades de entrar e sair da armadilha gravitacional teoricamente invencível das estrelas colapsadas. Na TV, incontáveis séries trabalharam o tema, notadamente em episódios das versões derivadas de Jornada nas Estrelas.
Até a música viu o tema ser abordado, primeiramente pelo "power trio" canadense Rush na faixa Cygnus X-1, de 1977. Com o nome do primeiro buraco negro reconhecido, a música trata da hipótese de redenção ou destruição ao encarar essa metáfora do inevitável. Outra banda associada à cultura nerd, a britânica Muse, tem um álbum nomeado pelo fenômeno (Black Holes and Revelations, 2006), com uma música chamada Supermassive Black Hole (o tipo de buraco negro revelado em M87) e o refrão que dá nome ao disco em sua melhor música, Starlight.
Mas foi no cinema, casa por excelência da ficção científica, que finalmente os abstratos conceitos foram formatados para o público mais amplo. O primeiro filme sobre o tema é de 1979 (no Brasil, estreou em 1980, as coisas eram bem diferentes naquela época), uma produção da Disney chamada sem muita originalidade de O Buraco Negro.
O filme lidava com um tema caro a várias obras: a descoberta de um pioneiro por seus sucessores nas viagens espaciais, com um grande segredo a ser descoberto. Tudo isso à beira de um buraco negro que, quando enfim visitado, providencia uma visão delirante, quase religiosa –e totalmente implausível do ponto de vista científico.
O tema voltaria algumas vezes às telas, notadamente num desastre chamado Horizonte de Eventos (Paul W. Anderson, 1997) e numa furada científica, ainda que boa diversão, como no reboot de Jornada das Estrelas (J.J. Abrams, 2009) –aqui, é trazido superficialmente o conceito de Stephen Hawking de buracos negros diminutos.
Tudo viria a mudar de patamar com Interestelar, dirigido em 2014 pelo badalado Christopher Nolan. O filme empregou um dos grandes teóricos do campo, Kip Thorne, para criar uma história o mais plausível possível do ponto de vista científico sobre uma viagem no tempo-espaço para salvar a humanidade de uma praga agrícola auto-infligida.
Ainda que haja claras liberdades artísticas na obra, ela é geralmente aceita como uma das mais fiéis aos preceitos da relatividade. E o buraco negro Gargântua, em torno do qual o roteiro literalmente orbita, é exibido de uma forma impressionantemente semelhante à imagem divulgada nesta quarta.
Em Interestelar, os viajantes mergulham no horizonte de eventos para achar a chave de uma equação que permitirá a humanidade a fugir da Terra moribunda. A partir do momento em que chegam lá, obviamente o que se tem é um delírio, mas pelo menos o "buraco de minhoca" utilizado para migrar de volta ao Sistema Solar não está "dentro" do inescapável Gargântua.
É confuso, claro, e não ganhou muitos aplausos do público ou da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas nos EUA. Mas traz, como toda grande obra de ficção científica, inquietudes sobre a razão da existência e uma tentativa de refletir qual o peso daquilo que é intrinsecamente humano sobre ela –no caso, o amor.
Agora, resta saber se o monstrengo cósmico que habita o coração M87 vai inspirar uma nova rodada de obras sobre buracos negros e as expectativas que eles criam.