Um buraco negro é semelhante a um anel de fogo. A frase, aparentemente prosaica, agora pode ser afirmada com convicção após astrônomos divulgarem, nesta quarta-feira (10), a primeira imagem de um buraco negro na história da humanidade. A importante descoberta agitou a comunidade científica mundial por uma série de motivos: comprova uma teoria desenhada no século passado pelo gênio Albert Einstein, mudará livros de ciência escolares e abre alas para uma miríade de novas pesquisas envolvendo planetas, estrelas e galáxias.
A imagem não captura exatamente o buraco negro, mas a luz sendo sugada pelo buraco da mesma forma como a água entra em um ralo: girando ao redor de um eixo. O cenário é o centro da gigantesca galáxia Messier 87 (M87), localizada a cerca de 55 milhões de anos-luz da Terra. O trabalho, nada fácil, foi feito em conjunto por 200 cientistas de quatro continentes.
— É o primeiro resultado de um trabalho de décadas, um triunfo da tecnologia e da Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Vai permitir observar muitas outras coisas aparentemente impossíveis de serem observadas — comenta Thaisa Storchi Bergmann, vencedora do Prêmio L'Oréal-Unesco para mulheres em ciência e chefe do grupo de pesquisa em Astrofísica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A ciência nunca havia visto, de fato, um buraco negro – sabia que ele deveria existir apenas com base na Teoria da Relatividade Geral, elaborada por Einstein no início do século 20. Em suma, o físico afirmou que, quando um corpo com muita massa é comprimido em uma área pequena, a força da gravidade se torna tão grande a ponto de sugar tudo o que está ao redor, inclusive a luz. Ele é, em última instância, um abismo em nossa realidade que voa pelo espaço sideral. Não se sabe o que há dentro dele e o que aconteceria se uma pessoa fosse sugada.
O buraco negro fotografado é muito denso, na mesma proporção de um planeta Terra comprimido até o tamanho de um dedo ou de um Sol com apenas 6 quilômetros de diâmetro. O irônico é que Einstein nem acreditava que buracos negros de fato existissem na natureza, apesar do que indicavam suas fórmulas.
— A grande contribuição do Einstein foi mostrar que a luz está sujeita à gravidade e pode mudar de trajetória, não só seguir uma linha reta. A imagem prova que a Teoria estava certa — diz Bergmann.
Ouça a entrevista de Thaisa Storchi Bergmann para a Rádio Gaúcha
Vale lembrar que, na ciência, "Teoria" ou "Teorema" não significam hipótese ou probabilidade, mas “lei científica”. Só não há o nome de “lei” por certa humildade da ciência: a tecnologia da humanidade pode, um dia, permitir uma nova descoberta que muda a concepção que havia sobre determinado tema – pense, por exemplo, no interstício, órgão descoberto no corpo humano apenas no ano passado, após o avanço da tecnologia. Quando uma tese é proposta à comunidade acadêmica, sofre análises minuciosas. Se mesmo assim resiste forte, ganha, como prêmio, o nome de teoria ou teorema. Einstein sobreviveu às investigações e agora, mais uma vez, é reconhecido por sua genialidade.
Os detalhes da imagem
A fotografia mostra uma espécie de anel de fogo, com a borda inferior mais grossa do que a superior. Isso ocorre porque o gás que voa pelo espaço sideral está sendo sugado a uma alta velocidade para dentro do buraco negro, da mesma forma que a água sugada por um ralo adquire o curso de um minirredemoinho. Por voar em uma velocidade muito alta, o gás atrita consigo mesmo até adquirir uma temperatura de milhões de graus Celsius. Isso gera radiação – na forma de luz e raio-X.
O círculo dentro do anel é o que cientistas chamam de “horizonte de eventos” – em outras palavras, a borda do buraco negro. A região central está escura justamente porque a luz foi sugada para dentro. A parte de baixo do anel é mais grossa porque, diferentemente de um ralo de pia que é estático, o buraco negro se movimenta, então a força da gravidade atrai a luz em um movimento irregular, ainda que circular.
— A gravidade do buraco negro atrai o gás, que começa a girar e vai espiralando até ultrapassar o limite do horizonte dos eventos — diz o astrônomo e professor de Física da UFRGS, Luiz Augusto da Silva.
A fotografia foi feita de forma conjunta por oito radiotelescópios localizados em montanhas ou desertos de Chile, Espanha, Estados Unidos, México e Antártica. Juntos, eles têm a potência de um único telescópio do tamanho do planeta Terra. Em vez de captarem raios de luz com uma lente, eles funcionam como antenas parabólicas captando a radiação emitida pelo espaço.
Primeiro, apontaram para a mesma direção, ao mesmo tempo, e capturaram um fragmento do buraco negro de um ângulo diferente (por estarem posicionados em partes diferentes do planeta Terra). Em seguida, cada “pedaço” de radiação foi enviado a um supercomputador, que uniu os fragmentos e os converteu em imagem – um processo semelhante ao qual um aparelho de televisão realiza. O projeto ambicioso ganhou o nome de Event Horizon Telescope (EHT), ou Telescópio de Horizonte de Eventos.
— Em vez de construir um telescópio gigante, que correria o risco de afundar sob seu próprio peso, vários observatórios são combinados como se fossem pequenos fragmentos de um espelho gigante — explicou em 2017 Michael Bremer, astrônomo responsável pelas observações do projeto EHT em telescópios europeus.
A fotografia gerada a partir da aplicação dessa tecnologia tem grande potencial para aprender mais sobre outros buracos negros e planetas.
— Isso vai nos permitir passos para entender melhor como é a física dentro de um buraco negro. Outro aspecto é que astrônomos sabem que o nascimento de estrelas sofre influência da maior ou da menor atividade de buracos negros. Como é essa interação? Agora daremos passos mais concretos para descobrir — diz Alexsandro Marian Carvalho, professor do curso de Física na Unisinos.
Livros escolares devem ser modificados, com a inclusão da fotografia do buraco negro e a confirmação de que Einstein estava, desde o século passado, correto em suas teorias.