A poeira é um elemento recorrente em Interestelar. Ela ilustra no filme que estreia nesta quinta-feira nos cinemas a desintegração progressiva e inexorável da humanidade em um futuro próximo. Quem sobreviver à fome não escapará do sufocamento, posto que a Terra entrou em colapso pelo esgotamento de suas reservas naturais e de oxigênio. Christopher Nolan também parece fazer uso da poeira para embaralhar aos olhos do espectador a percepção de que sua ambiciosa realização é mais complexa e profunda do que, descascada a pretensão do diretor, mostra ser.
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Interestelar investe em uma fascinante vertente da ficção científica: a viagem rumo ao universo desconhecido e seu efeito psicológico e existencial sobre o explorador. Filmes clássicos como 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, e Solaris (1972), de Andrei Tarkovski, sobrevivem no tempo por, além de suas virtudes cinematográficas, deixar seus admiradores literalmente sem chão, flutuando na imaginação e no impacto sensorial. Nolan, por sua vez, entrega um pacote mais amarradinho. O sucesso da sua ótima trilogia Batman e dos projetos mais autorais que apresentou entre os filmes do super-herói (O Grande Truque e A Origem) lhe deram a medida de até onde é possível um blockbuster ousar e desafiar os sentidos das plateias que lotam as salas dos shoppings centers.
Contando com o astro mais badalado da temporada, Matthew McConaughey, ganhador do Oscar de melhor ator no começo do ano, Nolan coloca a correr sobre os trilhos da ciência avançada (Teoria da Relatividade, física quântica e buracos negros, entre outros campos de estudo) um potente drama familiar, simbolizado na escolha imposta pelas circunstâncias a um pai. McConaughey vive Cooper, engenheiro espacial e ex-piloto prodígio da Nasa que agora toca a vida como fazendeiro em um lugarejo açoitado por tempestades de areia. Ele voltará à ativa atendendo à convocação do cientista (Michael Caine) encarregado de um programa secreto da agência espacial americana, que corre contra o relógio para encontrar um planeta habitável. A missão, além do alto risco e da longa duração, exige de Cooper deixar os dois filhos.
Ao longo de suas quase três horas de duração, Interestelar atinge momentos de alto impacto, sobretudo visual (ampliado na projeção Imax). Mas é uma viagem que transcorre de forma irregular por conta da ambição do diretor em atender à expectativa tanto daqueles mais íntimos de teorias como "buraco de minhoca" (conceito da física referente à possível existência no universo de um atalho por entre o tempo e o espaço) quanto dos que vibram com o ritmo eletrizante de uma aventura entre o infinito e além.
McConaughey defende com brio seu personagem, em especial nas dilacerantes sequências em que, por conta da relatividade temporal, Cooper passa a acompanhar os filhos envelhecerem décadas enquanto, para ele, passam poucos anos. Mas o restante do elenco representa os altos e baixos de Interestelar em seu trânsito por dimensões paralelas. Anne Hathaway, como astronauta parceira de Cooper, ganhou falas edificantes que roçam o piegas. Jessica Chastain se sai bem melhor assumindo o rosto da filha de Cooper quando adulta - e também responsável pela continuidade do programa que a afastou do pai.
Interestelar nasceu como um projeto endereçado a Steven Spielberg. Embora seja visível a mão de Nolan no formato que adquiriu, percebe-se o DNA spielbergueano. O que não é demérito algum, diga-se, mas está a anos-luz de um Kubrick.
Assista ao trailer de Interestelar:
Ficção
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Filme do diretor Christopher Nolan estreia nesta quinta-feira nos cinemas
Marcelo Perrone
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