"Eu não sabia nada do mundo, nada."
É assim, em uma mistura de nostalgia infantil com adulta confissão, que o chileno Alejandro Zambra ensaia fragmentos de uma ficção autoarqueológica em seu primeiro volume de contos, o adequadamente intitulado Meus Documentos.
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Mas se o pronome possessivo do título deixa o leitor com a impressão de que a voz única é a do autor-narrador, esta se rompe já na largada: os documentos não são de uma pessoa apenas, mas de toda uma geração, desejosa de questionar-se sobre seu passado. Agraciado em 2010 com um lugar entre os 22 melhores escritores da língua espanhola com menos de 35 anos pela revista Granta e consagrado no gênero romance com títulos como Bonsai (2006), A Vida Privada das Árvores (2007) e Formas de Voltar para Casa (2011), Zambra incursiona pelos contos com a mesma prosa sensível para retornar à experiência de crescer no Chile de Pinochet e de ver-se, anos depois, em meio a uma geração cada vez mais atrelada aos computadores.
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Ele está longe, contudo, de falar exclusivamente aos chilenos - cada fragmento de memória ecoa, também, naqueles que cresceram nas décadas de 1980 e 90. Em qualquer lugar, foram eles os únicos, talvez, a escutar as teclas das máquinas de escrever paternas, que rascunharam seus primeiros textos literários em blocos de nota e que, finalmente, formataram-nos em arquivos para deixá-los, muitas vezes esquecidos, na pasta Meus Documentos do Windows.
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Toda essa nostalgia, por vezes humana - como no conto que dá nome ao livro -, por vezes tecnológica - como em Lembranças de um Computador Pessoal -, é captada por Zambra e descrita com sutileza e ironia. Seja no momento da malograda tentativa do autor (famoso pela velocidade em que emenda um cigarro no outro) de abandonar o tabagismo em Eu Fumava Muito Bem, seja na ambivalência familiar de Verdadeiro ou Falso, a tônica de Meus Documentos é clara e universal: não importa o quanto voltemos ao passado, difícil mesmo é o presente.
Meus Documentos
De Alejandro Zambra
Contos. Cosac Naify, 222 páginas, R$ 32,90. Tradução de Miguel del Castillo
Cotação: 4 de 5 estrelas
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