Na Porto Alegre de 1984, uma turma chegada ao alto volume da guitarra elétrica tentava demarcar território entre dois grupos que predominavam nos espaços musicais da cidade: o da música popular gaúcha (MPG), representado por nomes como Nelson Coelho de Castro e Nei Lisboa, e o do regionalismo que armava acampamento no cenário urbano graças a figuras pop como Renato Borghetti.
O radialista Ricardo Barão (1954 - 2010) farejou na Capital uma brasa roqueira precisando de sopro para virar fogo. Conhecido por seu trabalho na rádio Ipanema FM, na qual, em meio aos clássicos do rock, abria espaço para bandas locais, Barão decidiu reunir em disco os grupos novos que lhe chegavam às mãos em fitas cassete e caíam nas graças dos ouvintes. No final daquele ano, o LP Rock Garagem, lançado pela gravadora Acit, de Caxias do Sul, apresentou 10 grupos representativos da diversidade sonora garimpada por Barão: o rock clássico de Taranatiriça e Garotos da Rua, a new wave de Urubu Rei e Fluxo, o seminal Moreirinha e Seus Suspiram Blues, o peso metálico de Astaroth, Valhala e Leviaethan e o punk temporão de Frutos da Crise e Os Replicantes.
Completando 30 anos em 2014, o show de apresentação do disco, em 14 de dezembro de 1984, reuniu 4 mil pessoas no Araújo Vianna e plantou a semente que germinaria na explosão do rock gaúcho. O sucesso do Rock Garagem teve, entre os efeitos positivos, a criação de um circuito de shows, novas coletâneas e o interesse de gravadoras do centro do país por bandas gaúchas.
- A Ipanema teve para essa geração papel parecido ao da Continental para a música gaúcha nos anos 1970 - diz Nilton Fernando, diretor da Ipanema à época. - Estávamos em sintonia com as bandas que gravavam suas fitas em esquema de guerrilha. A Ipanema não tinha ouvintes, tinha militantes, espírito que guiou o Barão na proposta do Rock Garagem.
Lançar um disco naqueles tempos, mesmo coletivo, era o sonho que poucos artistas locais conseguiam realizar. Após a consagração de nomes como Liverpool e Bixo da Seda, vivia-se, desde meados dos anos 1970, um período de seca na praia roqueira.
- Rock Garagem tem para o rock gaúcho a mesma importância que o Paralelo 30 teve para a geração da MPG - explica o músico e pesquisador Rogério Ratner, citando o álbum de 1978 que reuniu artistas como Bebeto Alves, Nelson Coelho de Castro e Raul Ellwanger.
A efervescência que a Capital vivia em 1984 tinha entre os protagonistas o jovem Eduardo Martins Dornelles, o Edu K. Aos 15 anos, ele participou do disco com a banda Fluxo, na faixa Nosso Amor Dançou. Edu já chamava a atenção por seu visual andrógino e o amplo horizonte musical que vislumbrava, atributos que o consagrariam logo adiante à frente do DeFalla.
- Tinha voltado a viver em Porto Alegre depois de morar um tempo em Foz do Iguaçu - lembra Edu. - Estava florescendo na cidade uma cena que tinha a ver com o que eu queria fazer. Ninguém tinha grana para alugar estúdio, quanto mais gravar disco. O bacana é que rolava muita interação entre as bandas, todo mundo se ajudava. Barão catalisou esse sonho coletivo.
Mas a interação teve seus ruídos.
- No dia do show no Araújo, um pessoal queria a gente fora, dizendo: "Não vamos tocar com esses veadinhos" - lembra Edu K. - Mas o Barão colocou o p** na mesa e disse que íamos tocar, sim. Ele foi muito importante naquele momento. Mesmo nosso som não sendo muito a praia dele, sabia que as diferenças musicais eram a força do Rock Garagem.
Abre-alas para o rock
Há 30 anos, LP "Rock Garagem" colocou o RS no mapa da música jovem brasileira
Lançado em 1984, disco coletivo apresentou ao público bandas como Replicantes e Garotos da Rua e atraiu a atenção de gravadoras do centro do país para a cena local
Marcelo Perrone
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