A má notícia do fechamento recente da revista Bravo! pela Editora Abril vem se somar a outras tantas que pintam um quadro bem difícil para a mídia cultural no Brasil. Apesar das leis de incentivo, uma notável e necessária iniciativa do governo federal, de alguns Estados e poucos municípios, as revistas de arte e cultura não têm conseguido se manter por mais do que poucos anos. Cito as leis como poderia citar agências de publicidade globalizadas ou departamentos de marketing de várias empresas.
Para muitos profissionais de comunicação, uma publicação cultural não é a melhor mídia para vender produtos ou serviços. E também nem sempre é prudente correr o risco de associar a imagem de uma marca a veículos que, para cumprir integralmente sua missão, publicam conteúdos mais complexos, quando não transgressores...
Nesse aspecto, vejo apenas em algumas poucas grandes empresas nacionais - privadas e públicas - e em pouquíssimas de capital internacional que criaram raízes por aqui, interesse em viabilizar iniciativas que aprofundem a experimentação, a criatividade, a reflexão e a inovação nos vários campos da arte e da cultura brasileira.
Raros são os jornais que mantêm um caderno de cultura, como é o caso de Zero Hora. E, assim mesmo, pressionados pelos custos, são limitados em número de páginas e frequência - no máximo semanal. Estes cadernos cumprem um papel importante, mas não conseguem dar vazão a todas as necessidades de informação e debate que a grandeza do nosso território, população e diversidade cultural exigem.
É verdade que as novas plataformas de mídia - TVs a cabo e internet - trouxeram uma enxurrada de programas, portais, blogs e mídias sociais que tratam as mais variadas vertentes de ideias, formas e linguagens, sem limites de fronteiras, de línguas, de nada. Mas, como ocorre em outras áreas de informação e conhecimento, o mundo virtual é disperso. Com raras exceções, não tem uma identidade clara, e a imprecisão campeia sem freios.
A revista Bravo!, criada pelo cientista político e jornalista Luiz Felipe dAvila, era um símbolo do esforço em manter um veículo para tratar dos vários campos de atividade da cultura do país. Quando pertencia à Editora DAvila, a Bravo! se manteve, em parte, pela Lei Rouanet, mas sempre com dificuldades ante o modelo de uma lei criada para apoiar eventos. Na poderosa editora Abril, manteve o apoio da lei, mas, mesmo assim, não conseguiu se perpetuar. Nas vezes em que falamos a respeito, o Luiz Felipe sempre foi crítico às dificuldades com a burocracia das prestações de contas que simplesmente desconsiderava a natureza de um periódico. Contou também que, mesmo depois de Bravo! já pertencer há mais de um ano à Editora Abril, ainda recebia correspondências do MinC pedindo algum documento de projetos antigos.
Um pouco diferente foi a história da revista Palavra, criada pelo cartunista mineiro Ziraldo. A publicação circulou de abril de 1999 a agosto 2000, para ser "uma revista de cultura fora do eixo". Formato grande, design original, sede em Belo Horizonte e cobertura do que acontecia fora de São Paulo e Rio de Janeiro, foi lançada sem utilizar nenhuma lei de incentivo porque contaria com o apoio do então governador de Minas, Itamar Franco. Segundo o Ziraldo, com quem conversei recentemente, os recursos prometidos não vieram, a revista fechou e, pior, ele passou anos pagando as dívidas.
No Rio Grande do Sul também tivemos uma publicação cultural bastante relevante que está, ao menos temporariamente, sem circular. A Revista Aplauso, que completaria 15 anos em 2013 - um a menos que a Bravo - parou no início de 2012. Depois de um longo tempo em que Aplauso documentou, analisou e debateu a cultura produzida no Rio Grande do Sul, as leis de incentivo - LIC e Lei Rouanet - que tornaram possível sua criação e circulação acabaram se tornando suas algozes.
Um periódico como Aplauso - e como a Bravo! - nunca pôde seguir rigorosamente o processo de um evento anual, bianual, ou único, apoiado pelas leis de incentivo. O produtor cultural de uma revista, além de lutar em busca dos escassos recursos disputados por centenas de projetos, tem que batalhar contra as limitações das leis e as burocracias que as aplicam.
Várias são as dificuldades, a começar pelo rotineiro descasamento entre a circulação, que não pode ser interrompida, e os momentos em que ocorrem os aportes dos apoiadores culturais. Isso obriga muitas vezes o produtor cultural a adiantar recursos até receber os aportes para o projeto. Como os recursos chegam a partir da lógica das demonstrações contábeis das empresas, podem demorar. Quando não acontece o pior: não vêm. Nesses casos, a única solução é o produtor bancar a diferença com recursos do próprio bolso, o que ocorreu várias vezes na existência da Aplauso.
A Lei Rouanet, embora mais flexível, também coloca os periódicos sob a pressão de prazos incompatíveis com o seu processo de circulação. Provavelmente essa é a razão de a lei federal ter sido utilizada por pouquíssimas revistas até hoje. Ou por pouco tempo, como foi o caso da Bravo!. E também é um dos determinantes da quase inexistência de títulos de revistas de cultura neste momento no Brasil. Além da Cult e do Almanaque Brasil - que se mantêm com alguma dificuldade -, temos algumas pequenas publicações segmentadas, com circulação espaçada, e, quase sempre, sem periodicidade definida.
Em recente evento da 9ª Bienal do Mercosul, da qual sou um dos conselheiros, conversei com a Ministra da Cultura, Marta Suplicy, sobre os problemas que enfrentam as revistas de cultura para utilizar a Lei Rouanet. Ela, que não tinha conhecimento dessas dificuldades, sugeriu que eu fosse a Brasília conversar com o pessoal do Ministério a respeito e, quem sabe, ajudar a pensar alguma solução.
Pela experiência, não creio que seja um problema de difícil solução - se houver boa vontade. É necessário criar um mecanismo que torne possível não descontinuar a circulação dos periódicos que utilizam as leis de incentivo; evitar que os grandes eventos da agenda cultural consumam o bolo dos recursos de renúncia fiscal das empresas; e, ainda, regrar a forma de ressarcimento para permitir a utilização temporária de outros recursos do produtor cultural enquanto os aportes dos apoiadores não chegam. Ou, então, que se crie um fundo específico nas leis para viabilizar publicações culturais periódicas cujos projetos contarem com a aprovação dos Conselhos de Cultura, em todos os níveis. O fato indiscutível é que, sem mudanças, as revistas de cultura no Brasil continuarão fora da lei e de circulação.