"Eu vou me banhar de manjericão/ Vou sacudir a poeira do corpo batendo com a mão/ E vou voltar lá pro meu congado/". Às 17h deste sábado (30), esses foram os primeiros versos que saíram de uma roda de samba montada na Rua da República, entre a Sofia Veloso e a Lima e Silva, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre.
Nela, quem deu o tom, na voz e em instrumentos como o cavaquinho e o tantã, foram 16 mulheres. Todas elas participam do Encontro Nacional e Internacional de Mulheres na Roda de Samba, que, em sua sétima edição, mostra, na força da cantoria e das mãos espalmadas nos pandeiros, que o lugar de mulher também é no samba.
A música Banho de Manjericão, de Áurea Martins, que deu início à roda, foi apresentada simultaneamente em outras 27 cidades do país e no Exterior. Na sequência, a apresentação foi embalada por Ponto das Caboclas, também de Áurea; e Não Vadeia e Marinheiro Só, de Clementina de Jesus. Ao ritmo de outros clássicos do samba, as mulheres devem seguir no local até as 21h30 deste sábado. A expectativa é de que 500 pessoas compareçam.
Organizadora do evento na Capital há seis anos, a produtora Luciana Fagundes explica que a ideia de colocar as mulheres no centro da roda, como protagonistas do ritmo, surgiu da carioca Dorina Guimarães:
— Historicamente, as mulheres demoraram muito tempo para ter reconhecimento como sambistas. Na década de 1950, usavam o nome de homens para assinar as suas obras. Depois, chegavam a estar nas rodas, mas apenas para cantar. A mulher tinha que ser muito boa para ser instrumentista.
Luciana também lembra que o samba foi considerado uma produção cultural de baixa qualidade e sofreu perseguição pela sua matriz africana.
— É complicado, mas já foi pior. Mas agora a gente vem furando essa bolha. A gente ainda recebe cara feia, mas vem ocupando esses espaços — concorda Claudia Quadros, artista há 40 anos que participa desde o primeiro encontro de mulheres em Porto Alegre.
Uma das artistas da velha guarda que pavimentou o caminho para o samba feito por mulheres é a gaúcha Luíza Hellena, parceira de Lupicínio Rodrigues. A sua trajetória até virar cantora e compositora não foi fácil. Luíza teve de sair de casa aos 17 anos. Na época, seus pais não queriam que ela seguisse a vida como artista. Neste sábado, aos 80 anos, ela foi homenageada na roda da Capital. E, em conversa com Zero Hora, se emocionou:
— Era a minha paixão, desde os quatro anos (ser sambista). Insisti e estou aqui hoje, depois de muita dificuldade, recebendo, nessa fase da vida, essas homenagens tão gratificantes.
Seis anos depois da primeira edição do encontro na capital gaúcha, Luciana e Claudia observam que o evento tem sido fundamental, inclusive, para a criação de novos grupos de samba de mulheres.
Simbólico a começar pelo espaço
Cada um das seis edições na Capital foi realizada em um local diferente. Neste ano, no entanto, as artistas decidiram repetir o local da primeira roda de samba: a Rua da República.
Mais do que marcar uma evolução do grupo, que, no início, começou o encontro sem cachê, "na raça e na coragem", segundo Luciana, a ideia de revisitar o espaço tem a ver com o que aconteceu em maio deste ano. A Cidade Baixa, como outros bairros de Porto Alegre, foi inundada pela cheia do Guaíba.
— Para nós, é simbólico voltar a esse lugar e refazer a roda daqui, de onde tudo começou — reforça a produtora.
Neste ano, inclusive, a roda recebeu apoio do edital Retomada Cultural – Eventos Calendarizados da Funarte/Ministério da Cultura, iniciativa direcionada a localidades atingidas pela enchente no Estado.
O evento conta também com a Feira La Movida, onde há exposição e venda de produtos artesanais produzidos por mulheres.
As outras cidades com a roda
- Vitória, no Espírito Santo
- Goiânia, no Goiás
- Belo Horizonte, em Minas Gerais
- Juiz de Fora, em Minas Gerais
- Belém, no Pará
- João Pessoa, na Paraíba
- Curitiba, no Paraná
- Londrina, no Paraná
- Matinhos, no Paraná
- Recife, em Pernambuco
- Niterói, no Rio de Janeiro
- Capital do Rio de Janeiro
- Volta Redonda, no Rio de Janeiro
- Canoas, no Rio Grande do Sul
- Florianópolis, em Santa Catarina
- Capital de São Paulo
- Sorocaba, em São Paulo
- Aracaju, em Sergipe
- Itacaré, na Bahia
- Península de Maraú, na Bahia
- La Plata, na Argentina
- Ciudad Autonoma de Buenos Aires, na Argentina
- Roterdã, na Holanda
- Lisboa, em Portugal
- Montevidéu, no Urugui