Era mais um dia de pandemia em julho de 2021, e Vitor Ramil seguia confinado em sua casa, em Pelotas. Naquele isolamento, o artista aproveitou para reler a antologia Toda Poesia, de Paulo Leminski (1944-1989). Até que algo aconteceu. Ele interrompeu a leitura, passou a mão em seu violão e, instintivamente, musicou o poema Sujeito Indireto.
A cena se repetiu, no dia seguinte, com outro extrato do livro. E continuou. Assim seguiu compondo até chegar a 13 das 15 faixas do álbum Mantra Concreto, que entra nas plataformas digitais nesta quinta-feira (10).
O cantor e compositor costuma brincar que, durante a pandemia, foi contaminado pela poesia de Leminski. Garante que nunca criou um grupo de canções tão consistente em tão pouco tempo — ele contabiliza 14 dias de composição.
— Nasceu tudo junto e muito coeso. Todas as músicas com jeito de que a letra surgiu depois da música. Foi uma coisa inacreditavelmente fluida e espontânea — descreve Vitor.
O músico agregou ao álbum outras duas canções que já havia adaptado da obra de Leminski: O Velho León e Natália em Coyoacán, que fez parte de Tambong (2000), e Uma Carta uma Brasa, que foi gravada por Juliana Cortes e está no disco Gris (2016). Também não é o primeiro disco de Vitor musicando poemas — em 2022, ele lançou Avenida Angélica, com faixas compostas a partir da obra de Angélica Freitas, e, em 2010, Délibáb, a partir de Jorge Luis Borges e João da Cunha Vargas.
Mantra Concreto conta com a coprodução dos músicos Alexandre Fonseca (bateria, tablas, percussão e programações) e Edu Martins (baixo sintetizador e baixo acústico). Durante o processo, cada um estava em uma cidade: Alexandre no Rio, e Edu em Porto Alegre. Ainda há participações de Carlos Moscardini (violão), André Gomes (sitar e guitarra), Santiago Vazquez (kalimba), Toninho Horta (guitarra), Vagner Cunha (violino e arranjo), José Milton Vieira (trombone) e Pablo Shinke (violoncelo).
Com auxílio de Alexandre e Edu, Vitor direcionou Mantra Concreto sob uma premissa: fugir de tudo que era convencional. Um exemplo está em Sujeito Indireto, em que o músico rejeitou uma bateria de balada e deu preferência à percussão de máquina de escrever.
Ele exemplifica também a ideia com Teu Vulto, em que Alexandre foi a uma exposição de Rogério Botelho em que — devidamente autorizado — bateu nas esculturas metalizadas e gravou os sons. Sampleou ainda o som de um tanque de água.
Outro diferencial de Mantra Concreto dentro da discografia de Vitor é o uso de baixo sintetizador, algo bem marcante já na faixa de abertura, De Repente. Contudo, o disco segue tendo como base a milonga — às vezes, propiciando atmosferas melancólicas e soturnas —, acrescentada de camadas sofisticadas. Ou seja, uma continuidade do trabalho de Vitor.
— É um disco com muita autorreferência, que ecoa outros trabalhos meus. Tu podes ter uma milonga mais explícita, como em Palavra Minha. Mas também há outras formas acontecendo ali, no próprio dedilhado do violão — explica. — É como se a milonga estivesse por trás de tudo, o que é uma coisa que venho trabalhando há muitos anos para que aconteça. A milonga na subjacência.
O primeiro single divulgado de Mantra Concreto foi Amar Você, que ganhou um clipe com imagens de Leminski cedidas pela família. O próximo vídeo, como Vitor adianta, será de Teu Vulto.
Leminski no palco
Vitor nunca chegou a conhecer Leminski pessoalmente. Até tentou quando visitou Curitiba (PR), terra natal do escritor, em 1987. Queria lhe entregar o então lançado disco Tango, mas o encontro não aconteceu.
— Paulo Leminski era poesia, então o conheço bastante bem — conclui.
Apontado como um poeta pop, Leminski se notabilizou por poemas curtos com uma linguagem coloquial, apresentando influências do haicai, do tropicalismo e do concretismo, sendo associado também à poesia marginal. Para Vitor, o autor curitibano transitava por mundos que o interessam:
— Desde a alta cultura até o grafite, a palavra de rua, a música popular. Sempre o achei musical, não à toa que ele compunha canções. Sempre vi música na poesia dele, muito clara e evidente.
No dia 24 de outubro, Vitor apresentará a poesia musicada de Leminski no palco do Salão de Atos da PUCRS, em Porto Alegre, a partir das 21h. Acompanhado de Alexandre e Edu, além de participações especiais, ele tocará faixas de Mantra Concreto. Ainda, o repertório contará com canções como Estrela Estrela e Loucos de Cara.
— Músicas que poderia ter mostrado para o Leminski na época, agora vou fazer chegar até ele através do show — finaliza.
Mais de Vitor
Além de Mantra Concreto, confira mais alguns lançamentos envolvendo a obra de Vitor Ramil que ocorreram este ano.
- Relançamento do livro A Primavera da Pontuação (2014), pela Faria e Silva Editora;
- Vitor Ramil, O Astronauta Lírico, pela editora Hedra - ensaio biográfico sobre o músico escrito pelo crítico e sociólogo Marcos Lacerda;
- Relançamento de Ramilonga em vinil pela Noize Record Club.
- Atualmente, Vitor está focando todos os minutos que pode na escrita do livro Estética do Frio, com previsão de lançamento para o ano que vem. Também já está com composições para um disco novo e, posteriormente, deve retomar o projeto de um livro de ficção.
Vitor Ramil – Mantra Concreto
- Dia 24 de outubro, às 21h, no Salão de Atos da PUCRS (Av. Ipiranga, 6.681, Prédio 4, Partenon, Porto Alegre).
- Classificação Indicativa: Livre
- Ingressos: a partir de R$ 40. Desconto de 50% para os primeiros 200 sócios do Clube do Assinante RBS e acompanhantes.
- Ponto de venda de ingressos sem taxa de conveniência: Campus da PUCRS – Av. Ipiranga, 6681, Saguão do Living 360º, Prédio 15, de segunda a sexta-feira, das 13h às 19h.
- Ponto de venda com taxa: pelo site da Sympla.