A primeira metade dos anos 1970 é considerada uma das melhores fases da música brasileira. Afinal, há muitos discos clássicos e até hoje celebrados que foram lançados nesse período. Embora naquele momento a censura imposta pela ditadura cerceasse as composições, sobrava criatividade artística e gravadoras dispostas a investir nas obras. Não foi diferente em 1974, ano em que artistas como Elis Regina, Raul Seixas e Jorge Ben Jor, entre outros, efervesciam.
Para ilustrar esse período, GZH lista alguns discos brasileiros que completam 50 anos em 2024. Confira e ouça.
Elis, duas vezes
Foi um 1974 estonteante para Elis Regina. Naquele ano, ela lançou o aclamado Elis & Tom, em parceria com Tom Jobim. Com seus arranjos em bossa, o repertório contava com 14 faixas de autoria do compositor, com destaque para o dueto histórico dos dois em Águas de Março.
A história desse registro é contada no documentário Elis e Tom — Só Tinha de Ser com Você, dirigido por Roberto de Oliveira e Jom Tom Azulay, que esteve nos cinemas no ano passado. O disco chegou a entrar na lista de leituras obrigatórias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o vestibular de 2018, ao lado de obras da literatura em língua portuguesa.
Ainda em 1974, a cantora lançou o ótimo Elis, que traz a inesquecível O Mestre-sala dos Mares (Aldir Blanc/João Bosco) e composições de nomes como Milton Nascimento e Fernando Brant (incluindo Travessia), Gilberto Gil (Amor Até o Fim e O Compositor me Disse) e Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves (Maria Rosa). Tá bom, né?
Jorge Ben - "A Tábua de Esmeralda"
Samba, rock, samba-rock, pop, funk, jazz, blues, gospel, entre outras, além daquele suingue e a batida única de violão. Tudo isso, quem sabe, em uma única música. A Tábua de Esmeralda é o disco para entender quem é Jorge Ben Jor (naquele momento, ainda sem o "Jor"), pois toda a essência sonora do músico está ali. Em um trabalho inspirado pela filosofia alquimista e cósmica, Jorge gravou uma obra distinta da espiritualidade musical. Entre as faixas de melodias imprevisíveis, destaque para Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas, Menina Mulher da Pele Preta, O Namorado da Viúva e Magnólia.
Martinho da Vila - "Canta Canta, Minha Gente"
"Ele está aqui, inteiro, com todo o seu jeito, com toda a sua MARCA." Assim o escritor Ziraldo descreve Martinho no encarte do disco. Além da faixa que dá título ao álbum, há petardos como Disritmia, com sua bela letra ("Eu quero ser exorcizado/ Pela água benta desse olhar infindo/ Que bom é ser fotografado/ Mas pelas retinas desses olhos lindos"), a celebração da cultura afro-brasileira de Festa de Umbanda, o samba de terreiro Dente por Dente, a delicada e orquestrada Malandrinha. Há também Viajando, que é uma síntese de Martinho: um samba devagar, devagarinho, com uma letra simples e romântica. É a marca do sambista.
Arnaldo Baptista - "Loki?"
Quando lançou seu primeiro disco solo, Arnaldo passava por um período nebuloso. O músico havia deixado Os Mutantes e também havia se separado de Rita Lee, além de estar afundado nas drogas. Toda sua dor gerou um disco cru e sofisticado, com letras melancólicas. Contando com arranjos assinados por Rogério Duprat, Lóki? teve participações de ex-colegas de Arnaldo dos tempos de Mutantes: Liminha (baixo), Dinho (bateria) e até Rita Lee, que fez backing vocals. Destaque para Cê Tá Pensando que Eu Sou Loki? e Será que Eu Vou Virar Bolor?.
Ave Sangria - "Ave Sangria"
Um marco do rock psicodélico brasileiro, o disco de estreia do Ave Sangria foi proibido pela censura da ditadura militar por conta da faixa Seu Waldir, que versa sobre a paixão por um homem mais velho. De qualquer maneira, o trabalho da banda de Recife (PE) mescla o rock com a música regional, apresentando influências que vão de Led Zeppelin e Jimi Hendrix a Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro.
Cartola - "Cartola"
O sambista tinha 66 anos quando finalmente lançou seu primeiro disco "cheio", em 1974. E já em seu primeiro registro reúne pérolas como Alvorada, O Sol Nascerá (A Sorrir), Acontece, Amor Proibido, enfim, são 12 faixas que exprimem eximiamente a melancolia e o desamor. Com arranjos de Horondino José da Silva (Dino), que também toca violão sete cordas, o disco foi produzido por J.C. Botezelli (Pelão) e já nasceu clássico. Cartola partiria seis anos depois, deixando gravado um total de quatro álbuns de estúdio.
Raul Seixas - "Gita"
O álbum foi lançado no Brasil enquanto Raul estava exilado nos Estados Unidos por conta da ditadura, não antes do cantor ser torturado pelo Dops. Marcado pela parceria com Paulo Coelho e recheado de joias como Sociedade Alternativa, Medo da Chuva, S.O.S., O Trem das 7 e a própria faixa-título, Gita é o álbum de maior sucesso comercial da carreira de Raul. Conforme a gravadora Universal, foram 600 mil cópias vendidas, rendendo ao cantor seu primeiro disco de ouro.
No RS
Pelos lados do Rio Grande do Sul, Teixeirinha lançou dois trabalhos em 1974: a trilha sonora do filme Pobre João e o álbum Última Gineteada. Também foi o ano em que a banda Os Atuais lançou o curioso Volume 4, que traz rock, baião e baladas.
Outros discos marcantes de 1974
- Gal Costa - Cantar
- Edy Star – Sweet Edy
- Casa das Máquinas - Casa das Máquinas
- Ednardo - O Romance do Pavão Mysteriozo
- Clara Nunes - Alvorecer
- Alceu Valença - Molhado de Suor
- Belchior - Belchior
- Elza Soares - Elza Soares