Em uma era pré-internet, saber detalhes da vida ou da agenda dos ídolos não era uma tarefa fácil. Era necessário estar sempre atento ao que saía na imprensa, comprando jornais e revistas, além de estar constantemente ligado na televisão e nos programas de rádio. Mesmo assim, para os mais ansiosos, estas informações não eram suficientes. Precisavam de mais e, também, compartilhar o amor pelos artistas com iguais.
Eis que os mais engajados se reuniam e criavam fã-clubes, que funcionavam como centrais de informações sobre os artistas, além de serem pontos de reuniões para dividir experiências — seja presencialmente, por telefonemas ou, ainda, por correspondência. Destes encontros também saíam as famosas cartas de rolo com milhares de corações e "eu te amo", que eram enviadas para os ídolos. Era outra época e tudo mudou com o advento da internet.
Armygas do RS
Atualmente, as redes sociais assumiram o protagonismo no trabalho de ligar os fãs. São instantâneas e sem limitação de localidade — é possível conectar admiradores de qualquer artista em qualquer lugar do mundo. Nascido totalmente na era digital, o grupo no WhatsApp Armygas do RS reúne fãs gaúchas do grupo sul-coreano BTS — sigla para Bangtan Sonyeondan.
Idealizado por Isadora Martins, o espaço virtual surgiu a partir de seu perfil no Instagram, o @guriasdobangtan, criado em fevereiro deste ano para ser uma central de notícias e materiais relacionados ao BTS. Com mais de 17 mil seguidores na plataforma, as fãs começaram a pedir um canal mais próximo para criar uma conexão mais sólida e, assim, poderem sair da internet para se encontrarem fisicamente para celebrar o conjunto musical — seja para aniversários dos integrantes ou para fazer "dias coreanos", exaltando a culinária e a cultura do país.
— Recebo muitos pedidos para entrar no grupo, mas aceito somente pessoas aqui do Rio Grande do Sul, por enquanto. A ideia é justamente aproximar as pessoas de Porto Alegre e que moram perto — explica Isadora, que conheceu o grupo no ano passado, tem tatuagens referentes à banda e já se tornou uma fã que mobiliza outras. — O que me motiva ser fã deles? Bem, o BTS promove o amor-próprio, em letras que falam sobre isso. Eles são incríveis. O BTS me salvou.
A jovem, porém, lamenta ainda não ter conseguido ir a um show do grupo. Os integrantes não vêm ao Brasil desde 2019 e, atualmente, estão cumprindo serviço militar obrigatório na Coreia do Sul. Por isso, estarão em hiato até 2025. Até lá, resta aos fãs ficarem cultuando a imagem e a obra dos artistas, aguardando o grande retorno — e, quem sabe, uma volta ao Brasil para que Isadora possa ver os ídolos de perto.
Esta facilidade de criar canais em redes de bate-papo fragmentou as aglomerações de fãs. O Facebook, anteriormente, era uma plataforma com grande intensidade de fãs concentrados em grupos dedicados a artistas — atualmente, com a queda de popularidade da rede social, os espaços estão perdendo relevância e, mesmo nos que têm milhares de membros, as postagens são poucas e as interações estão baixas. O Instagram assumiu o posto de canalizar as informações.
Veteranos
Prestes a completar 17 anos de funcionamento, o fã-clube Sandy - Oficial POA surgiu bem na época da transição do analógico para o digital. Criado pelo professor Maurício Pereira Neto, 38 anos, em 2007, o espaço dedicado à irmã do Júnior, atualmente, conta com mais de 1.500 sócios cadastrados, que interagem basicamente através das redes sociais — os encontros físicos são raros. Porém, era bem diferente no começo.
— Fazíamos 10, 11 encontros por mês, desde festas juninas até aniversário da Sandy. As redes sociais praticamente não existiam. Eu mandava folhetim, cartão de aniversário para os sócios, tudo pelos correios. Em 2010, a internet começou a bombar e os encartes foram diminuindo, sendo tudo enviado por e-mail — lamenta Pereira Neto, que gostava do universo mais físico e espera voltar a circular com carteirinhas e revistas entre os fãs cadastrados.
Sandy, que é muito atenciosa com o fã-clube, já recebeu Neto em seu camarim várias vezes, ganhando presentes e, inclusive, palpitando no nome da organização. Foi ela quem pediu a personalização: de Sandy - Oficial Porto Alegre para Sandy - Oficial POA. Para o presidente da associação dedicada à artista, é uma grande satisfação, visto que sempre teve ela como preferida da dupla que fazia com o irmão e, antes mesmo deles se separarem, já tinha criado o grupo exclusivamente dedicado à filha de Xororó.
Aos 41 anos, a jornalista Jainara Martini é uma das responsáveis pelo S.E.R. Nenhum de Nós, fã-clube dedicado à banda gaúcha e que existe desde 1997. Naquela época, era tudo muito analógico, com o contato sendo feito basicamente por telefone e por correspondência — os organizadores do grupo tinham uma caixa postal para facilitar a comunicação. Os mais tecnológicos da época mandavam e-mail para o endereço do extinto provedor ZAZ.
Para integrar a associação, o interessado precisava mandar uma carta solicitando o ingresso. Os responsáveis pelo fã-clube mandavam uma ficha cadastral, também por carta. Ao ser preenchida, ela era enviada de volta e, apenas após a aprovação, ele recebia a carteirinha e passava a fazer parte do S.E.R. Nenhum de Nós — que leva o nome do time de futebol que os artistas tinham para peladas entre bandas e comunicadores. O S.E.R. significa Sociedade Esportiva e Recreativa. E o brasão do fã-clube é o mesmo da equipe esportiva. A sugestão foi do próprio Thedy Corrêa, que volta e meia se encontra com os fãs, bem como toda a banda.
— A gente se reunia mensalmente, no Parcão ou na casa de alguém. As pessoas levavam fotos reveladas dos shows, contavam como foi. Cada um trazia uma informação nova. A gente lia os jornais. A produtora também entrava em contato com a gente para passar ações, como ligar para as rádios e pedir determinada música da banda — relembra Jainara, que conta ter entrado para a associação durante a adolescência, para conhecer pessoas que compartilhavam da mesma paixão.
No auge do fã-clube, no começo dos anos 2000, o S.E.R. Nenhum de Nós chegou a contar com mais de 1.000 membros, com os mais engajados viajando para acompanhar as apresentações da banda. Com o passar o tempo, a idade foi chegando e o virtual foi tomando conta. Hoje, para fazer parte da organização basta seguir no Instagram ou entrar no grupo do Facebook — somando os dois espaços virtuais, são quase 2.500 participantes. Alguns deles estão se reunindo, depois de anos, para os shows no Theatro São Pedro.
De físico, a associação ainda tem algumas fichas cadastrais e um grande bandeirão, que levam para shows maiores, em festivais e ao ar livre. Hoje em dia, porém, as cartas de rolo já não fazem mais parte da realidade. O carinho é demonstrado em postagens, que recebem interação dos artistas.
Nunca é tarde
Silvana Piovezan tinha 52 anos quando descobriu o seu primeiro ídolo. Foi durante uma live, na pandemia, em 2020, que a administradora decidiu dar uma chance para Gusttavo Lima. A transmissão durou horas e, na apresentação da música Instinto Animal, com o cantor já meio embriagado, a futura fã sentiu uma conexão emocional com o artista. A partir de então, passou a acompanhar todos os passos do mineiro — inclusive, já foi ver shows dele em outros Estados.
Ela, então, decidiu compartilhar o amor pelo músico em uma página do Instagram, a qual chamou de Gauchinhas do GL. No espaço, ela já conta com mais de 17,5 mil seguidores — além do grupo de WhatsApp — e utiliza a rede social para compartilhar informações referentes ao cantor, bem como demonstrar o seu amor por ele. Por sua dedicação, já ganhou reconhecimento da Central de Fãs de Gusttavo Lima, tendo o seu fã-clube como oficial.
Pilchada, Silvana foi ao Buteco, que ocorreu em setembro, no Beira-Rio. Antes do show, porém, ela acabou tendo a oportunidade, por conta de seu fã-clube, de conhecer os bastidores durante a montagem do espetáculo. Por lá, ela se emocionou, mesmo sem ter conhecido o seu ídolo pessoalmente — ainda.
— Quando entrei no Beira-Rio, foi um sentimento que acho que só quem é fã sabe. Eu nunca imaginei sentir isso porque eu nunca tive um ídolo assim, cantor, artista. E é muito engraçado, porque parece coisa de adolescente. Eu sei que parece, mas é incrível ter este sentimento. Eu chorava que nem criança, emocionada vendo aquele palco enorme — conta Silvana, enfatizando que eternizou na pele uma tatuagem em homenagem ao ídolo. Ambos compartilham na mão um diamante igual, que os conecta, mesmo que o sertanejo não saiba disso.