Ventiladores, rádios, cristais, água, pêndulos, gongos e objetos com diferentes sonoridades. Até o motor de uma esteira massageadora serviu para bater em um glockenspiel, instrumento de percussão similar ao vibrafone. Em seu álbum de estreia, intitulado Castelo, Carina Levitan apresenta oito composições que foram elaboradas com auxílio de instrumentos artesanais. Essencialmente, flutua entre a música e a arte sonora, em um trabalho já disponível nas plataformas digitais.
As aspirações artísticas de Carina surgiram na infância. Filha do músico, arquiteto, escritor e ilustrador Cláudio Levitan e da fotógrafa Eneida Serrano, ela cresceu frequentando a Casa Encantada — minimundo projetado por seu avô, Ramão, e seu tio-avô, Ely, localizado na zona sul de Porto Alegre.
— Dentro desse miniespaço, eu confundia a roda-gigante com a música. Confundia a arquitetura das coisas com a sonoridade do que eu escutava — recorda.
Carina se graduou em arquitetura e foi morar em Pirenópolis (GO), onde fez um curso de ecoversidade (educação para uma vida sustentável). Por lá, ela começou a estudar Hermeto Pascoal e o grupo Uakti — ambos se notabilizaram pelo uso de instrumentos não convencionais na música. Aliás, os dois nomes são suas maiores referências para Castelo. De qualquer maneira, foi naquele período que Carina percebeu que havia outras possibilidades e leituras para a música. Era o que lhe interessava.
A pesquisa sonora passou a ser o seu foco, tanto que se graduou em Sound Art & Design pela London College of Communication. Chegou a integrar a banda Apanhador Só, em que promovia sua investigação sonora através da percussão-sucata — grelha de churrasco, pato de borracha, bicicleta etc.
Atuou também na construção de parques sonoros e instalações artísticas, e hoje trabalha com trilhas originais, desenho de som e foley (sonoplastia) para cinema, teatro e publicidade. Ela tem um estúdio em Garopaba (SC), onde vive.
Desde os 16 anos, Carina criava suas composições com violão e voz, mas acabavam guardadas. Até que, há oito anos, sentiu vontade de colocar seu trabalho na roda. Castelo teve início em uma residência artística em que Carina recebeu dezenas de objetos sonoros do público. A artista vislumbrava que a música tinha que ser uma escultura, uma peça visual.
— Se cada música é um universo particular, vou fazer esses objetos serem parte dessa música — atesta.
Muito desse processo pode ser conferido em seu canal do YouTube. No entanto, a conclusão do álbum andou em um ritmo mais lento. Seus dois filhos nasceram, veio a pandemia, e o projeto se arrastou. Ela descreve o disco como um processo de superação.
Carina Levitan extrai sons do motor de uma esteira massageadora:
Castelo de areia
Para a gravação de Castelo, Carina contou com produção e mixagem de Guilherme Ceron, que também toca baixo no disco. A percussão foi conduzida por Daniel Almaoe. Há participações especiais de Dessa Ferreira, Nina Fola e Mariana Bandarra no vocal, Clarissa Ferreira no violino, Rodrigo Apolinario no teclado e Luciana Bass e Lule Bruno na guitarra.
Ela já trabalha em novas composições, visando a novos projetos, mas, ao mesmo tempo, planeja apresentar o show de Castelo, levando objetos ao palco. Afinal, cada música tem uma escultura sonora, um conceito visual.
Por exemplo, a delicada Pai de Família apresenta pêndulos, que batem durante a música. Já a letra aborda a história de um trabalhador, que cumpre suas funções sociais e financeiras, mas acaba sendo apenas um espectador do que vivencia.
— Ao citar "ver a vida no jantar" na letra, parece que o resto do dia dele não é vida, é só um cumprir funções. Ele vê a vida, de fato, no jantar, ao lado do filho — explica.
Outro exemplo é Prato de Pintura, em que presta tributo a Frida Kahlo. Na faixa, um carrossel é emulado, como destaca Carina:
— Tem essa ideia visual de harmonia de um parque de diversões. Estou com ventiladores ligados, que batem nas peças sonoras e vão criando um ritmo aleatório.
Já Rio Poluído é uma cidade de circuitos eletrônicos, como descreve:
— Sabe quando você abre o rádio e enxerga aquela placa? Para mim, parece uma cidade. Rio Poluído é todo ruidoso. Toda essa estética da poluição, uma música mais carregada.
Castelo é um trabalho experimental e etéreo, que transpõe as pesquisas sonoras de Carina. Originalmente, o nome do projeto era Riscos do Ar, embarcando na subjetividade do som. Por fim, ela percebeu que o trabalho era como um castelo de areia, algo que trouxe na capa do álbum. Seria uma forma de materializar sua ideia toda, como a criação de um reino de miniuniversos — ela chamava de cada canção um universo particular, um mundo, uma imagem, um som e palavras que contam aquela mini-história.
— Uma hora se materializa e se constrói, depois vem a água e destrói tudo. Mas não importa. Vamos ser a rainha de seu próprio reino. Estou servindo a mim mesma, sozinha, num castelo de areia, que vai se desfazer em breve.
Ouça Pai de Família:
Ouça Prato de Pintura:
Ouça Rio Poluído: