Quando lotaram cinco sessões no Theatro São Pedro, em 2018, e outras quatro em 2019, Kleiton, Kledir, Vitor, Ian, Gutcha, Thiago e João não tiveram dúvida: transformar em espetáculo os encontros regados a música que costumavam ter na casa de veraneio na praia do Laranjal, em Pelotas, foi bem mais do que uma grande ideia. Quem confirmava eram as cerca de 5 mil pessoas que assistiram aos primeiros shows do projeto Casa Ramil, que reúne sobre o palco sete membros da família musical. O desejo que efervescia nos integrantes do clã era o de seguir explorando todas as possibilidades que a empreitada conjunta poderia oferecer, mas a pandemia mandou esperar.
Os Ramil, que não costumam se deixar levar pela pressa — nem na música nem na vida —, souberam respeitar o cenário que se impunha. Passados quase quatro anos desde o último show deles (na virada de 2019 para 2020, na festa de réveillon da Orla do Guaíba), o reencontro musical da família ocorre nesta sexta (1º), às 21h, no Auditório Araújo Vianna, marcando a retomada do Casa Ramil e o lançamento do primeiro disco do projeto, Casa Ramil ao Vivo. O álbum já está disponível nas plataformas de streaming de música e consiste na gravação de algumas das canções do espetáculo inaugural no Theatro São Pedro — o show completo também está disponível em vídeo no canal Biscoito Fino no YouTube.
— Foi uma gravação quase casual, um registro, não havia o intuito de um dia lançarmos algo — lembra Vitor Ramil. — Quando decidimos resgatar esse material, foi um trabalho minucioso, detalhista e que contou com a participação de todo mundo. Até porque no Casa Ramil é assim: a gente divide tudo. Às vezes um assume mais uma tarefa, outro assume outra, mas todos participam de tudo. Para fechar a capa, tu não fazes ideia da novela que foi (risos). Mas o disco está muito legal, muito bem realizado, justamente porque todos são muito perfeccionistas.
— Trabalhar em família é muito mais difícil, né (risos). Mas o resultado é muito melhor — pontua Kledir.
O espetáculo que marca o lançamento do álbum é diferente dos apresentados anteriormente pelo grupo. O repertório segue privilegiando canções dos diferentes membros da família (incluindo os maiores clássicos de Vitor Ramil e Kleiton & Kledir), mas há a inclusão de algumas músicas lançadas durante a pausa do Casa Ramil — Vitor, Ian e Thiago lançaram discos individuais no período —, além de novos arranjos e roteiro remodelado.
— A pessoa que foi aos primeiros shows ou viu a gravação do disco vai ver um show diferente agora. Fizemos um botox para que ele ficasse mais bonito ainda (risos) — diverte-se Ian Ramil, filho de Vitor.
— Eu diria que esse show é um segundo brinde ao nosso primeiro brinde — reflete Thiago Ramil, filho de Katia, uma das irmãs de Vitor, Kleiton e Kledir que não seguiu carreira musical — Acho que a própria expressão de brindar diz um pouco da cara desse trabalho, que é em si uma celebração e uma forma de levar para o palco algo que a gente sempre fez nos nossos encontros.
O clima "sala de casa" que encantou o público nas primeiras apresentações seguirá presente. O que também segue é a diversidade que permeia o espetáculo, representando as múltiplas caras da musicalidade da família. Ela está presente nos instrumentos utilizados no show, que vão do tradicional violão de seis cordas e do clássico violino até itens pouco convencionais como o saz (instrumento de cordas de origem turca), o harmônio (peculiar órgão de fole) e o cuatro (espécie de violão venezuelano). Há, ainda, percussões como o sopapo (criação do mestre Giga Giba, pelotense tal qual a família Ramil) e o platino bombo leguero, além de uma folhagem seca que também serve como instrumento musical.
O contraste das vozes dos Ramil também é um indicativo da diversidade que compõe o clã musical. No show, todas as canções são cantadas por todos, intercalando momentos de solo e de coro a partir de um arranjo vocal assinado por Kleiton — há anos o músico assume a função. O resultado da junção é de arrepiar.
— Quando a gente viu a soma dos timbres, a gente também ficou: "Uau". Acho que a marca do grupo são as vozes — diz Vitor.
— Só fica legal porque as pessoas são todas muito talentosas — pondera Kleiton.
Orgulhoso da aptidão musical da família, o músico celebra a possibilidade de poder também tirar ensinamentos do convívio com a geração mais nova dos Ramil, composta por Ian, Thiago, Gutcha (filha de Katia e irmã de Thiago) e João (filho de Kledir).
— Naturalmente, eles aprendem muita coisa conosco, mas quem mais ganha nessa troca somos nós, da geração antiga, porque eles são muito inovadores. Eles piram a nossa cabeça com as milhares de coisas que querem fazer (risos) — diz Kleiton.
— Mas eu, o Kleiton e o Kledir sempre recebemos com muita empolgação o trabalho deles — comenta Vitor. — A gente acompanha cada composição nova e volta e meia comenta que o que eles estão fazendo é muito incrível. Todos já têm um repertório consistente, sabe? Para nós é muito empolgante acompanhar isso.
É a robustez do repertório familiar que faz João Ramil ter certeza da longevidade do projeto. Para ele, "o show do Casa Ramil poderia acontecer em mais de cem formatos diferentes", justamente pela dimensão do que foi construído durante as cinco décadas de dedicação da família à música popular.
— Sendo o mais novo do grupo, eu olho de baixo para cima e vejo o tamanho de tudo o que eles (os mais velhos) fizeram. É uma aventura o que vai sair a partir daqui. Temos muita vontade de continuar o projeto, principalmente por ele ser um veículo para reunir a nossa família — diz João.
A reunião ocorre também fora do palco, pois toda a família está envolvida no projeto. Kaio Ramil (filho de Kleiton) é o responsável pela produção-executiva. Branca Ramil (irmã de Vitor, Kleiton e Kledir) assina a direção de produção, enquanto Karina Ramil (filha de Kleiton) ocupa a função de diretora de cena. Isabel Ramil (filha de Vitor) criou os vídeos e o projeto de iluminação em parceria com o tio Marcelo Linhares (marido de Branca).
A participação das mulheres da família nos bastidores é o que dá a Gutcha Ramil, a única presença feminina no palco, a certeza de não ter chegado sozinha até ele.
— Não chego sozinha porque a referência da musicalidade nunca foi somente masculina na nossa casa. Eu me criei ouvindo a minha vó (Dalva) cantar para eu dormir, vendo a minha mãe e a minha tia cantarem juntas, brincando de cantar com a Kamila (prima). Esse espetáculo passa pelas mãos de todas essas mulheres — diz a artista.
Passa também pelas mãos de Zé Flávio, músico que faleceu nesta quinta-feira (31), deixando uma lacuna importante no rock gaúcho. Ele foi guitarrista dos Almôndegas, grupo integrado por Kleiton e Kledir — que o definem como "um irmão" —, e tinha relação próxima com toda a família Ramil. Será lembrado como parte da família, da "casa Ramil", que não se resume somente àqueles que trazem o sobrenome na certidão de nascimento.
Casa Ramil
- Nesta sexta-feira (1º), às 21h, no Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685), em Porto Alegre
- Ingressos a partir de R$ 200 (inteiro) ou R$ 110 (solidário, mediante a doação de 1kg de alimento não perecível), disponíveis na plataforma Sympla
- Desconto de 50% sobre o valor do ingresso inteiro para sócios do Clube do Assinante e acompanhante