O guitarrista e compositor gaúcho Zé Flávio, integrante da banda Almôndegas, que morreu na madrugada desta quinta-feira (31), em Porto Alegre, por complicações em razão de um câncer, deixou sua marca no rock gaúcho. Autor de músicas como Canção da Meia-Noite e responsável pelo solo de guitarra da clássica canção Deu Pra Ti, de Kleiton e Kledir, o músico também integrava a banda Os Totais, além de ter feito parte de outros projetos.
Para prestar reconhecimento ao talento e ao legado do artista, GZH convidou músicos e especialistas que atuaram com Zé Flávio para prestar homenagem.
O cantor e compositor Kledir Ramil, que deu voz a famosas composições de Zé Flávio, foi amigo e companheiro de palco do guitarrista por mais de 50 anos. Abalado emocionalmente com a notícia, ele falou sobre o músico:
— A gente se falava todos os dias. Zé foi um irmão querido durante mais de 50 anos, companheiro divertido e talentoso, que esteve conosco em nossas melhores aventuras e realizações.
O músico Kleiton Ramil também definiu Zé como um irmão, agradeceu a dedicação do artista e amigo e enalteceu o seu legado que, segundo ele, tem um valor inestimável.
— Ele era um dos integrantes mais empolgados com o retorno do Almôndegas e ficou realizado com o show para quase quatro mil pessoas em março. O Zé era uma pessoa iluminada. Canção da Meia-Noite foi o primeiro hit nacional do Almôndegas, importante para nós e para a música brasileira. Ele foi responsável por uma revolução musical no País a partir da música que vinha do Sul. Bem-humorado, espirituoso e inteligentíssimo. Talvez, ele nem imaginasse a importância de sua obra e guitarra para a música brasileira, sempre com originalidade, com algo diferente, que se destacava no cenário musical. Um artista completo, com performances sempre muito aplaudidas. Só temos a agradecer — concluiu Kleiton.
O também amigo, companheiro de palco e integrante do Almôndegas Gilnei Silveira, baterista, também lamentou a morte do parceiro.
— Ele era um baita companheiro, tanto musicalmente quanto pessoalmente. Um queridão, inesquecível, grande músico e compositor. Tinha muitos amigos e um carinho todo especial por todos nós. Ele estava entusiasmado com as novas datas de show dos Almôndegas. É uma pena. Mas a gente vai fazer os shows, ele ia querer isso (referindo-se às datas de 1º e 3 de dezembro, quando Almôndegas devem retornar aos palcos de Porto Alegre e Pelotas). Tudo indica que vamos manter as datas.
Amigo do artista há 57 anos, o músico Inácio do Canto Rocha, o Inacinho, dividiu o palco com Zé Flávio na banda Os Totais. A última apresentação do grupo foi no começo deste mês, em um pub de Porto Alegre, quando mesmo diagnosticado e em tratamento, Zé Flávio tocou com o grupo.
— Foi nesse dia que ficamos sabendo que já não havia mais o que fazer. Há três meses, ele estava bem, feliz, empolgado com os shows das bandas, infelizmente a doença foi avassaladora e rápida.
Biógrafo, admirador e amigo
O jornalista Emílio Pacheco, autor do livro Kleiton & Kledir, A Biografia, conta que conheceu Zé Flávio em 1976, aos 15 anos, ao ouvir o programa de Mr. Lee, do radialista Júlio Fürst, na Rádio Continental, frequência 1120 AM.
— Ele era guitarrista do grupo Mantra e a emissora tocava gravações exclusivas da banda, como Cara e Coragem, A Margarida do Brejo, Pandorga 6x8 e outras. Mas, curiosamente, ele era também autor de três músicas de destaque dos Almôndegas. Sombra Fresca e Rock no Quintal, do LP de estreia (1975), foi o primeiro sucesso local do conjunto. Depois, Canção da Meia-Noite, do segundo LP, se tornaria o único sucesso nacional dos Almôndegas, graças à novela Saramandaia. Nesse mesmo disco tinha também a linda Amor Caipira e Trouxa das Minas Gerais, que Zé confessou ter composto sem nunca ter visitado o Estado mencionado no título.
Pacheco recorda que quando os Almôndegas se deslocaram para o Rio de Janeiro em 1977, o integrante Quico Castro Neves preferiu ficar no Rio Grande do Sul e saiu do grupo. Zé Flávio foi convidado para substituí-lo e participou do terceiro e quarto LPs da banda.
— No dia 7 de dezembro de 2005, Kleiton & Kledir fizeram um evento de lançamento do CD/DVD Kleiton & Kledir ao Vivo exclusivamente para convidados no Santander Cultural. Eu já vinha fazendo contato com Kleiton pelo saudoso Orkut e ele me convidou. Foi ali que conheci pessoalmente a dupla e também os ex-Almôndegas Pery Souza e Zé Flávio. Quando Kleiton me apresentou ao Zé, disse que eu sabia "tudo sobre os Almôndegas". O Zé deu um sorriso malicioso e falou: "Não, tudo ele não pode saber!" — recorda Pacheco.
O último contato entre o jornalista e o músico foi em março deste ano, quando o escritor prestigiou os shows de retorno da famosa banda gaúcha:
— No dia 27 de janeiro de 2020, antes do começo oficial da pandemia, Zé Flávio veio ao meu apartamento para que eu o entrevistasse para a biografia de Kleiton & Kledir. Foi ele que se ofereceu para vir. Veio a pé da Azenha ao Menino Deus, de bermuda, bem à vontade. Foi uma conversa longa e divertida. Falei com ele pela última vez em março, nos shows dos Almôndegas em Porto Alegre e Pelotas. Parecia estar muito bem. É uma triste perda para a música.
"Um dos músicos mais espetaculares que eu já conheci", diz Arthur de Faria
No Instagram, o músico e escritor Arthur de Faria, especialista em rock gaúcho, também se despediu e prestou homenagem ao guitarrista e compositor que ele definiu como "dos mais espetaculares".
"E se foi uma das criaturas mais carismáticas que eu já conheci. Todo mundo que conhecia o Zé Flávio amava o Zé Flávio. Tem 50 anos entre uma foto e outra (a antiga é de 1972), e ele sempre foi essa força da natureza dividida em dois: o cancionista (que ele, erradamente, achava uma coisa menor) e o guitar hero incendiário. Para MINHA tristeza (que é o que menos importa nessa hora) não consegui fazer uma coisa que eu tinha prometido pra mim que ia rolar ainda este ano: juntar ele e o Erick Endres — os Zés Flávios dos séculos XX e XXI - num mesmo show. Mas resta a alegria de ter presenciado o catártico show dos Almôndegas, agora há pouco, num Araújo Vianna hiperlotado, consagrando os dois Zés - o compositor e o guitar hero. Flores em vida. Um dos músicos mais espetaculares que eu já conheci. E eu conheci muitos. Vai, Zé".