No Theatro São Pedro, um dos templos da cultura gaúcha e que foi palco de muitas de suas apresentações, o cantor, compositor e artista visual Bebeto Alves foi velado nesta quarta-feira (9). A cerimônia de despedida começou às 9h, reunindo familiares, amigos, parceiros musicais e fãs.
A sala de exposições do teatro foi tomada pelas imagens produzidas por Bebeto, destacadas em cavaletes. Ao fundo, também, ouvia-se as músicas do artista, em caixas de som instaladas no espaço. Uma despedida do artista, mas, também, uma lembrança de que a sua obra será eterna.
A esposa, Simone Schlindwein, e três dos cinco filhos do músico chegaram ao Theatro São Pedro ainda na primeira hora. O amigo e curador da última exposição do trabalho visual de Bebeto, o historiador de arte José Francisco Alves, foi um dos organizadores da despedida do cantor.
— O Bebeto é um cara que está na história da nossa música popular. Marcou toda uma geração e a arte dele seguirá para sempre. Um artista gigante e que, nos últimos anos, dedicou-se muito às artes visuais. Por isso, colocamos as artes dele ao redor — explica José Francisco Alves.
O músico Marcelo Gross também compareceu à despedida de Bebeto Alves e ressaltou a generosidade do artista, que lhe orientou desde o começo de sua carreira.
— O Bebeto é uma referência desde que comecei. Me lembro quando eu tinha 16 anos, encontrei ele na rua e ele se dispunha a parar para conversar, explicar como seguir. Então, tenho essa lembrança muito bacana — relembra Gross. — E a importância dele é fundamental. As letras, as misturas que ele fez do rock, essa coisa do orgulho que ele tinha de trazer a nossa música do Rio Grande do Sul e misturar com outros estilos é um exemplo. Essa perda vai trazer uma lacuna muito grande, porque não tem ninguém que faça o que ele fazia — acrescenta.
King Jim, músico e parceiro de Bebeto no projeto Los 3 Plantados, pontuou como o amigo era inovador no que se propunha, fazendo, através de sua música, ligação entre o Rio Grande do Sul urbano e rural, acabando com as fronteiras.
— Um cara muito à frente do tempo dele. Em tudo ele era de vanguarda, em tudo ele era diferenciado. Era um cara plural e que atacava em todos setores da arte, da cultura. Eu tive a oportunidade de trabalhar com ele no Los 3 Plantados, que foi mais que um trio, é uma causa que pode salvar vidas. A gente passou por esse processo do transplante e, através disso, a gente sentiu necessidade de retribuir esse tempo a mais para fazer algo pelo entorno. Bebeto tinha uma generosidade e um coração gigantescos — destaca King Jim.
O fotógrafo Rogério Soares também foi dar um último adeus a Bebeto Alves, ainda na manhã desta quarta-feira. Ele, que é fã do trabalho do artista desde o início de sua carreira, estreitou os laços com o músico ao serem colegas no Fotoclube Porto-alegrense, entre 2019 e 2020, quando Bebeto intensificou a sua produção visual, a qual Soares considera de “extrema qualidade”.
— O Bebeto pertence a uma casta de artistas que, com a maior competência, incrementaram a produção musical do sul do país, mas também legitimaram uma qualidade absoluta, facilmente comparada a qualquer outro artista de renome nacional. Ele traz também essa quebra de paradigma, da música com raízes nativistas com uma pegada, uma genialidade do rock — comenta.
Ernesto Fagundes, músico tradicionalista, marcou presença no Theatro São Pedro ao lado do irmão Neto. Ao falar com a reportagem, o artista ressaltou, principalmente, a “liberdade de criação” de Bebeto ao ser uma ponte entre os estilos musicais:
— O primeiro disco do Bebeto, para mim, foi uma espécie de portal da cultura regional. Ele tem uma música chamada De Um Bando, em que ele diz que somos um único bando. E eu acho que essas tribos o Bebeto uniu na sua história de compositor. Ele nunca seguiu rótulos, não seguiu as gravadoras dizendo o que ele tinha que fazer. Ele fez dentro do seu pensamento e acho que ele deixa um legado de um Rio Grande do Sul realmente livre, como um bombo leguero tocando em pampa latino-americano.
O secretário de Cultura de Porto Alegre, Gunter Axt, destacou a importância do artista para a cultura do Estado e, principalmente, com a história da Capital.
— O Bebeto se liga intimamente a história recente de Porto Alegre. E eu acho que ele, juntamente com outros artistas, foi um marco da geração que coloriu os anos 1980 na cidade de Porto Alegre. Eclético, muito criativo, ele conseguiu fazer uma conexão do rock e do pop com o regionalismo, com a música gauchesca. E, por isso, ele fala tão profundamente sobre a alma de Porto Alegre, porque eu acho que Porto Alegre tem essa característica: é uma cidade que mantém os seus traços regionais, até provincianos, mas é também uma cidade cultural, muito diversa e aberta às grandes tendências que circulam pelo mundo. O Bebeto era uma ponte entre eles.
A cerimônia de despedida de Bebeto Alves segue até as 15h no Theatro São Pedro, em um evento aberto ao público. Depois, o corpo do artista será levado para o Crematório Metropolitano, onde haverá uma cerimônia reservada para a família.
Bebeto Alves, que faleceu na madrugada de segunda-feira (7), vinha lutando contra um câncer de pulmão desde o ano passado, que foi agravado por uma embolia. O artista também teve, nos últimos anos, outros problemas de saúde, como AVCs, trombose e, em 2013, foi submetido a um transplante de fígado.