Chico Buarque lotou o Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, na noite de quinta-feira (3). A apresentação foi a primeira de uma trinca programada para esta semana na Capital. Com a turnê Que Tal um Samba?, o músico sobe ao palco novamente nesta sexta (4) e no sábado (5).
Apesar do nome, não há só samba: é um show com blues, baião, bossa nova, valsa, romantismo, nostalgia e bom humor. Acompanhado da cantora Mônica Salmaso, o roteiro do espetáculo celebra todas as décadas de Chico, com mais de 30 composições. Ao longo de 1h45min, os dois realizaram um show tecnicamente impecável.
Apoiador habitual do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Chico mencionou a importância do resultado das eleições presidenciais (veja vídeo abaixo).
— Não posso fazer feio, especialmente em um dia como hoje, que estamos todos muito emocionados. É quase uma reestreia, nosso primeiro show — disse o cantor, fazendo referência às eleições e sendo interrompido pelo público, que começou a entoar "Lula, Lula".
Chico passou a dedilhar no violão a melodia de Lula Lá, e foi acompanhado pelos espectadores, que entoaram os versos.
— Este show foi concebido, desde o primeiro ensaio, com a perspectiva da vitória. Se por acaso viesse o resultado adverso, acho que não estaria aqui hoje, acho que esse show não faria mais sentido — disse o cantor, que, antes do bis, ergueria com Mônica uma bandeira do PT entregue por uma pessoa da plateia.
Com Mônica e Chico, estavam o maestro Luiz Claudio Ramos (arranjos, guitarra e violão), João Rebouças (piano), Bia Paes Leme (teclados e vocais), Chico Batera (percussão), Jorge Helder (baixo acústico e elétrico), Marcelo Bernardes (sopros) e Jurim Moreira (bateria). No palco montado no Araújo, havia um paredão de madeira de inspiração construtivista, que projetava imagens de fotógrafos como Sebastião Salgado, Ricardo Teles, Walter Carvalho, entre outros.
Mônica abriu a apresentação cantando seis canções de Chico, começando por Todos Juntos, que o compositor adaptou para o musical Os Saltimbancos, de Sergio Bardotti e Luis Enríquez Bacalov. É um início que dá o tom de otimismo do espetáculo, como indicam os versos: "Todos juntos somos fortes/ Não há nada pra temer". Aliás, essas duas frases acenderam um pavio no público, que vibrou. Isso se repetiria em diferentes momentos do show, quando uma frase dialogasse com momentos políticos. Havia um clima festivo na plateia, por conta do resultado das eleições do último domingo (30).
A cantora prosseguiu com Mar e Lua e Passaredo. Em Bom Tempo, outra celebração do público quando Mônica cantou "Um marinheiro me contou/ Que a boa brisa lhe soprou/ Que vem aí bom tempo". Ela ainda seguiu sem Chico em Beatriz.
Aos 51 anos, Mônica é dona de uma voz grave e aveludada, combinando domínio técnico e graciosidade em sua interpretação. Uma cantora sofisticada, que conquistou o público também pelo carisma. Vale lembrar que ela já gravou um disco inteiro dedicado às canções de Chico, intitulado Noites de Gala, Samba na Rua, de 2007.
No final de Paratodos, em que Mônica foi acompanhada pelo coro dos presentes no Araújo Vianna, Chico subiu ao palco. A partir da sétima música, Velho Francisco, ele e Mônica apresentariam um delicado dueto. Os dois repetiriam a dobradinha em Sinhá, Sem Fantasia, Biscate (aqui com a cantora divertidamente performática nas expressões gestuais) e Imagina.
No início de sua parte sem a cantora, o músico teve um problema técnico em Choro Bandido. Chico tentou tocar seu violão, mas não ouvia o som. Questionou: "Tá sem retorno?". O perrengue foi rapidamente resolvido e ele entregou uma interpretação encantadora e melancólica. Aos 78 anos, o músico está em dia com sua voz. Mas tirando esse momento de apuro, Chico pouco se comunicava com o público. Era música atrás de música — e tudo bem.
Nesse bloco solo, ele repassou canções como Samba do Grande Amor (aqui com a plateia cantando junto, com ênfase em "mentira"), Futuros Amantes (e aquele assobio característico), Sabiá, Sob Medida, entre outras. Mônica reapareceu pontualmente nessa parte em Injuriado e Uma Canção Desnaturada. Por fim, a cantora se juntou a Chico na música que dá nome à turnê, Que Tal Um Samba?, que foi um momento de catarse entre artistas e plateia.
A turnê que desembarcou em Porto Alegre leva o nome do single mais recente de Chico, lançado em junho. Na bem-humorada e otimista Que Tal um Samba?, o compositor propõe o ritmo como uma pílula para dias tempestuosos — "Para espantar o tempo feio/ Para remediar o estrago (...) Um samba pra alegrar o dia, pra zerar o jogo". Como se aludisse a tempos de bonança após um período pedregoso.
Para o bis, Chico e Mônica lançaram uma trinca de duetos com Maninha, Noite dos Mascarados e João e Maria. O músico dedicou a primeira música a sua irmã, Miúcha, que morreu em 2018. Já Noite dos Mascarados trouxe um clima de Carnaval ao Araújo, com o público ensaiando uma dança.
Por fim, a doce João e Maria encerrou o show com tremenda sutileza. Foi o fechamento terno de um show histórico, que será lembrado especialmente por ser o primeiro do cantor após o pleito. Mas também foi uma apresentação para, como diria Que Tal Um Samba?, "juntar os cacos, ir à luta". Ou "manter o rumo e a cadência". Ou ainda "desconjurar a ignorância, que tal?". Que tal Chico e Mônica.