Oito mulheres de vivências, trajetórias e musicalidades diferentes, unidas pelo desejo de mostrar ao mundo o que têm a dizer. Ou melhor, cantar ao mundo o que têm a dizer. Esta é uma boa definição para Damas, Espadas & Coroas, álbum que chega nesta quarta-feira (26) às plataformas digitais propondo uma reunião — que até poderia ser tida como improvável — das cantoras e compositoras Clarissa Ferreira, Eugênia, Iaiá Moraes, Jalile, Negra Jaque, Nina Fola, Renata Pires e Rita Zart. O lançamento será marcado por um show gratuito também nesta quarta, às 19h30min, no Teatro Unisinos (Av. Dr. Nilo Peçanha, 1.600), em Porto Alegre, com apresentação das oito artistas.
Clarissa, Eugênia, Iaiá, Jalile, Jaque, Nina, Renata e Rita são oito mulheres que representam gêneros musicais diversos. Em suas músicas, carregam também as marcações de classe e raça e a bagagem social que as distinguem entre si, formando um disco que, ao longo de 10 faixas, aborda as mais amplas temáticas e passa por ritmos como o rock, o hip-hop, o soul, o samba e até a música regionalista gaúcha.
A produção é da Sigmund Records, gravadora ligada à Unisinos e gerida por coordenadores e estudantes do curso de Produção Fonográfica, com a mentoria de profissionais do mercado. Conforme o coordenador-geral da gravadora, o professor Charles Di Pinto, o resultado do trabalho idealizado deve surpreender os ouvintes.
— As músicas são muito diferentes umas das outras. A brincadeira do disco é essa: se surpreender a cada faixa. Não se surpreender só com o gênero musical, mas também com a identidade de cada artista que vai aparecendo no progresso das faixas. É uma jornada que a gente está oferecendo, com compositoras e intérpretes da máxima qualidade musical que a cultura brasileira pode oferecer — diz Charles, chamando atenção também para a qualidade técnica do disco: — Somos uma gravadora acadêmica, mas a gente não está fazendo trabalhos sem lapidação. Nós atingimos um nível de mercado que é o nível das gravadoras grandes. Quem ouvir esse último disco nosso vai notar que a qualidade sonora é tão boa quanto a de um lançamento da Sony, por exemplo. Tanto é que a gente masterizou esse trabalho no Rio de Janeiro com a Magic Master, que masteriza Chico Buarque, Jota Quest, Marisa Monte e outros grandes artistas nacionais.
A ideia de promover um disco somente com cantoras e compositoras mulheres surgiu pelo desejo de valorizar a musicalidade feminina. É daí também que vem o nome dado ao álbum, Damas, Espadas & Coroas. Apesar da brincadeira com os naipes de um baralho de cartas, o título remete à participação das mulheres nos mais diferentes momentos históricos da música brasileira.
"Damas" vem das "damas do samba", em alusão ao papel das mulheres que foram precursoras e essenciais para a consolidação do gênero; "espadas" remete a movimentos como a MPB e a época em que as mulheres lutaram — por isso, as espadas — para firmar seu lugar dentro do mercado fonográfico; e "coroas" se inspira em musicalidades recentes como o pop, em que as cantoras são coroadas como "divas" e "rainhas", exaltando o espaço que já foi conquistado pelas mulheres na música brasileira.
Tal espaço, contudo, não pode ser ocupado com a mesma facilidade por todas. Nina Fola, mulher negra, musicista e doutoranda em Sociologia pela UFRGS, alerta que as dificuldades de acesso ao mercado musical são maximizadas quando se trata de cantoras negras. Por isso, para ela, iniciativas que visam a contornar essa disparidade são urgentes.
— Eu tive toda uma estrutura para gravar essa canção. Isso, para mim, que sou uma mulher preta, pobre e sem condições de bancar algo assim, foi uma grandiosíssima oportunidade. E acredito que a Renata e a Jaque, que são as outras mulheres pretas que estão participando, diriam a mesma coisa em outras palavras: que é uma oportunidade que não se pode deixar de abraçar. Acho que espaços privilegiados como esse da Unisinos, uma universidade privada, têm que fazer exatamente esse tipo de trabalho — opina Nina.
No álbum, ela interpreta Feita para Nós Dois, a primeira composição que escreveu, há cerca de 20 anos, e que nunca havia sido gravada. É uma canção de amor, escolhida por Nina em uma estratégia sagaz de usar o espaço alcançado para romper com outro resquício do racismo que paira sobre as mulheres negras na música: a expectativa silenciosa de que elas cantem somente a dor.
— Feita para Nós Dois é uma canção que fala de um amor preto e daquela sensação de completude, de encontrar alguém que é a chave da tua vida. Há essa expectativa de que as mulheres pretas cantem a dor. Eu tenho uma trajetória como musicista, como acadêmica e como militante política e antirracista e não é que eu tenha perdido isso, mas nesse projeto quis potencializar a minha voz e cantar o amor. E estou muito feliz com o resultado — avalia.
Quem também rema contra a maré é Clarissa Ferreira, que interpreta no álbum uma música regionalista gaúcha, mas composta a partir do ponto de vista das mulheres do Rio Grande do Sul. É Cassilda, canção que foi musicada por ela a partir do poema homônimo de Marília Floôr Kosby, finalista do Prêmio Jabuti em 2018 com o livro Mugido.
— A Marília tem uma poética que fala das questões regionais a partir de uma perspectiva feminina, algo que dialoga bastante com o meu trabalho, as minhas músicas e as minhas pesquisas — explica Clarissa, que se dedica a estudos sobre a participação feminina no cancioneiro nativista. — O poema acompanha uma personagem feminina que tem uma relação meio que de contemplação com esse pampa, também com os animais. Musiquei-o como uma milonga, em um tom épico, bem como aquelas músicas épicas gaúchas que contam grandes feitos.
Para ela, tanto o disco quanto o show desta quarta, no Teatro Unisinos, vem para escancarar o quão potente e diversa é a música feita pelas mulheres do Rio Grande do Sul.
— É uma oportunidade para mostrarmos a diversidade dessa musicalidade feminina que está acontecendo aqui, para também expandirmos o conceito do que é a música gaúcha. É um recorte muito bonito da nossa música contemporânea, do que está acontecendo hoje.
Lançamento de "Damas, Espadas & Coroas"
- Nesta quarta-feira (26), às 19h30min, no Teatro Unisinos (Av. Dr. Nilo Peçanha, 1.600), em Porto Alegre
- Entrada gratuita, sem necessidade de inscrição prévia, até a lotação do auditório.