O ano de 1942 foi impressionante para quem gosta de música. Daquela safra, saíram nomes gigantescos que seguem na ativa até no mercado brasileiro, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola e Milton Nascimento. E essa geração abençoada de um talento inacreditável não ficou restrita apenas ao território nacional. Respingou, também, do outro lado do oceano. Por lá, neste mesmo ano, na cidade de Liverpool, na Inglaterra, nascia Paul McCartney, neste exato 18 de junho.
E esse garoto, filho da classe operária, mudaria o mundo da música para sempre. Ao lado de John Lennon, Ringo Starr e George Harrison, ele ficou globalmente conhecido por fazer parte da banda The Beatles, que teve a sua atuação oficial datada entre 1960 e 1970. Ou seja, foram apenas 10 anos, mas o suficiente para que fosse elevada ao patamar de ser uma das maiores bandas de todos os tempos — para muitos, a maior. Dentro do grupo, Paul cantou, tocou diversos instrumentos — com destaque para o baixo —, compôs canções memoráveis, como Yesterday e Hey, Jude, e ainda puxava para si a responsabilidade de fazer com que a banda fosse comercialmente produtiva. Multitalentoso.
Quando o grupo se desfez, Paul levou as habilidades que aplicava na banda para a sua carreira solo e, também, para outros projetos, como o grupo Wings. E nunca mais parou. Nestes 52 anos desde o fim dos Beatles, Paul McCartney jamais deixou de fazer o que ama: música, dedicando 65 dos seus 80 anos ao ofício. O artista, por sinal, está listado no Guinness World Records como o "músico e compositor de maior sucesso na história da música popular", com 60 discos de ouro e vendas de 100 milhões de singles no Reino Unido.
É uma jornada gloriosa, mas parte de seu início tem relação com uma tragédia familiar. Em 31 de outubro de 1956, quando Paul tinha 14 anos, perdeu a mãe, Mary Patricia McCartney, vítima de embolismo após uma mastectomia para conter um câncer de mama. Influenciado pelo pai, James McCartney, a se curar na música após a morte de Mary, Paul ganhou um violão e, do encontro com o instrumento, o garoto escreveu a sua primeira música, I Lost My Little Girl, dedicada à mãe. Mary ainda virou musa inspiradora para outros clássicos, como Let It Be, Yesterday e Lady Madonna.
Hoje, Sir Paul McCartney se mantém ativo e integrado com o que é produzido na cultura pop, fazendo parcerias com nomes do momento, como Kanye West e Rihanna — algo que ele sempre entendeu como importante, desde os trabalhos com Michael Jackson e Steve Wonder, nos anos 1980. Além disso, o artista lança álbuns de inéditas com regularidade — o mais recente foi McCartney III, lançado em 2020, durante a pandemia, e arrecadando uma série de elogios por parte da crítica especializada. O incansável Paul, como se não bastasse, ainda está na estrada, com a turnê Got Back Tour, que está fazendo a América do Norte — e existe uma expectativa que, em 2023, venha a Porto Alegre. Será?
Vozes sobre Paul
— Paul McCartney é um dos grandes compositores de música pop de todos os tempos. Junto com o John, o que ele fazia nos Beatles é impressionante. O faro de composição, saber fazer uma música que conversaria com o público — avalia o jornalista Rodrigo de Oliveira, editor-chefe da revista Almanaque 21 e que apresentou, durante 13 anos, na Unisinos FM o programa Almoçando com os Beatles.
Oliveira reforça que Paul atuava, em suas letras, com mais romantismo, ao contrário de Lennon, que compunha indo para um lado um pouco mais "áspero". E isso seguiu depois, na carreira solo do músico, que teve o cuidado de ouvir a música que veio antes dele, como a feita por Little Richard, e transformar em algo diferente, adaptando para os anos 1960. Atuando como maestro do grupo, Paul era — e ainda é — workaholic, o que gerou desavenças com George Harrison e John Lennon, diz o jornalista.
— O Paul era uma coluna da banda. Ele não só compunha. Ele era um cara que tinha uma visão empresarial muito forte também. E na carreira solo ele sempre tentou trazer coisas diferentes. Eletrônica nos anos 1980, mais orquestral nos anos 1990, coisas experimentais, como projeto The Fireman, nos anos 1990 e 2000. O Paul é um cara muito importante para a música pop, pelas canções que ele teve, o sucesso que ele teve com músicas que as pessoas cantam até hoje, mas também ele gostava de experimentar. Por isso, acho que é um artista muito completo, porque ele vai para vários lugares com sucesso — enfatiza Oliveira.
Diego Lopes, cantor e baixista do Acústicos & Valvulados e que tem um projeto de tributo a Paul McCartney e George Harrison, comemora por viver na mesma época que seu ídolo e poder ver ele chegando aos 80 anos em plena atividade, mas já começa a se questionar sobre o que virá pela frente:
— Quem serão os novos ídolos que a gente vai ter? Porque essa geração é a geração que criou, basicamente, tudo o que a gente conhece como cultura pop, cultura jovem. Eu não sei nem como mensurar a importância musical. Porque o que a gente conhece como canção pop vem da caneta dessa rapaziada como o Paul, responsável por um refrão bem escrito, uma frase bem colocada, por um acorde no lugar certo. É quase como um trabalho de artesanato.
Ele enxerga os Beatles como um "despertar" que mostrou que os músicos também podiam ser compositores de suas próprias canções — e o resultado poderia ser ainda melhor do que antes, em que um compositor fazia a canção para um artista interpretar. E mesmo considerando que todos os integrantes da banda tinham um papel importante para o sucesso dela, ele enfatiza que era Paul quem movimentava a estrutura para que o grupo seguisse unido.
— O Paul é o beatle definitivo, é o cara que mais gostava de ser um beatle. Os outros, na medida em que o tempo foi passando e os caminhos foram abrindo para eles, foram surgindo outros interesses, mas o Paul era o mais beatle de todos. O George Martin tem uma citação que eu acho perfeita, que ele dizia assim: o Paul era o azeite de oliva virgem que trazia delicadeza para o suco de limão que era o John Lennon. Então, realmente, ele aparava umas arestas. E, claro, criava canções inimagináveis — destaca o músico.
Para Diego, os discos mais modernos de Paul podem até não agradar tanto quanto os da época dos Beatles, mas ele destaca que as obras são sempre relevantes, mostrando que, na medida em que a cultura pop vai avançando, o artista quer andar junto e, com isso, não envelhece a cabeça jamais. O músico ainda imagina Paul McCartney no Olimpo dos grandes nomes da música no futuro:
— Óbvio que o legado de Paul e dos Beatles não vai durar para sempre, mas estão aí Beethoven, Bach e Chopin para nos provar que algumas coisas duram séculos e acho que, neste caso, estamos vivendo na mesma época de alguém deste tipo, óbvio que na cultura pop, mas tenho essa impressão. Eu costumo fazer esse paralelo de que estamos vivendo na mesma época de um compositor que vai se tornar clássico daqui para frente.
A bênção
Paul McCartney já deixou a Terra da Rainha para pisar na Terra do Laçador por duas vezes, em 2010 e em 2017 — nesta última, o músico Frank Jorge foi o responsável por abrir o show do britânico no estádio Beira-Rio. E, para o gaúcho, que cresceu escutando Beatles e sendo influenciada pela banda, a oportunidade foi um momento de gratidão por estar perto de alguém que fez tanto pela música e entregou um vasto repertório para a humanidade.
Prisão de Ventre, Graforréia Xilarmônica e Cascavelletes, bandas das quais Frank Jorge foi integrante, foram totalmente influenciados pelos Beatles. O músico conta que teve excelentes professores de violão e piano, mas que decidiu aprender a tocar baixo ouvindo Paul McCartney:
— Ele é um cara que ajudou a redefinir o tipo de acompanhamento do contrabaixo, gerando uma linha melódica, não só necessariamente um acompanhamento com uma fundamental do acorde ou uma fundamental e quinta. O Paul trouxe linhas melódicas para o baixo, assim como tem na música erudita, diferentes linhas melódicas, contrapontos. O Paul McCartney me influenciou demais e foi o meu professor particular de contrabaixo, mesmo sem ele saber (risos).
Por isso, abrir o show do músico de Liverpool foi um momento ímpar na trajetória de Frank Jorge e, mesmo em um dia de chuva, o Beira-Rio estava lotado. Depois de se apresentar para o público, o gaúcho deixou o palco e se direcionou aos camarins — no trajeto, acabou se molhando com o aguaceiro que caía. Neste momento, ele é informado que Paul gostaria de conhecê-lo.
— Eu fiquei tipo: "E agora, o que eu faço?" Tava um pouco aquela emoção de ter tocado ali, um público que foi receptivo, carinhoso, não só de gaúchos. A gente entrou ali com aquela atmosfera, aquela adrenalina de ter tocado para 40, 50 mil pessoas. E o Paul veio na nossa direção e disse: "Muito prazer, eu estava ali tirando um cochilo, vou fazer a barba ainda". Ele falou essas coisas triviais e eu falei: "Cara, muito obrigado por toda a tua obra, as tuas linhas de baixo". Aí ele perguntou se eu tocava baixo e eu respondi que sim, mas eu deveria ter dito: "Eu não, tu é que toca baixo! (risos)" — conta o ex-Graforréia.
O músico enfatiza que a conversa foi muito rápida e que estava ao lado do músico Luciano Albo e do fotógrafo de Paul, MJ Kim, que registrou o momento no camarim. Porém, as fotos nunca foram enviadas para Frank, que guarda o encontro apenas na memória. E, para ele, um dos pontos mais importantes foi quando o gaúcho recebeu a "bênção" do ex-beatle:
— Tem essa cena, que é o momento em que o Paul encostou em mim. Ele passou a sua mão no meu terno para limpar aquela aguinha da chuva de Porto Alegre. E, puxa, o pessoal sempre acha bacana essa passagem, como se eu tivesse recebendo uma bênção do Paul McCartney, com ele limpando a chuva do meu ombro (risos). Ele foi muito gentil, muito educado conosco.
E o terno é para guardar para sempre.
Paul de perto
Para quem quiser passar o aniversário de Paul McCartney descobrindo mais do ídolo, existem boas pedidas recentes. Tem o documentário The Beatles: Get Back (2021), do diretor Peter Jackson, que conta com horas inéditas de material gravado em janeiro de 1969, período em que originou o disco e o filme Let It Be. O especial de oito horas está disponível no Disney+.
Já no Star+, é possível acessar à minissérie documental McCartney 3,2,1 (2021), que apresenta o lendário ex-beatle em conversas profundas com o produtor musical Rick Rubin sobre o seu trabalho revolucionário com os Beatles, os emblemáticos anos 70, a formação da banda Wings, além de seus mais de 50 anos de artista solo.