— Que é isso, gênio era Pixinguinha — diz Paulinho da Viola, recusando o rótulo. Uma humildade que apenas um gênio de verdade teria.
Com a sua personalidade tranquila e uma voz suave, mas poderosa, que entra pelos ouvidos fazendo carinho e transmitindo uma paz cadenciada para quem tem o privilégio de escutá-lo, o cantor vem a Porto Alegre nesta quinta-feira (10) com o show Sempre Se Pode Sonhar no Auditório Araújo Vianna (Avenida Osvaldo Aranha, 685), a partir das 21h.
A apresentação leva o nome da última música inédita de Paulinho, que também dá título ao álbum mais recente do artista, lançado em 2020 nas plataformas digitais e que venceu o Grammy Latino de melhor disco de samba. Para a noite de música que vai acontecer na Capital, Paulinho garante que o público encontrará grandes clássicos de sua trajetória quase sexagenária — ele começou em 1964 — e canções que há muito tempo não toca.
Uma que não vai faltar é Nervos de Aço, de Lupicínio Rodrigues, a quem ele dá o título de "um dos maiores gênios da nossa música". E sobre a obra, Paulinho relembra da história de quando a gravou, em 1973: foi como ele aprendeu, ouvindo nas rodas de samba de seu pai. Cerca de uma década depois, recorda que, em uma de suas tantas apresentações por aqui, recebeu em seu camarim a visita do músico Rubens Santos, amigo do compositor gaúcho, que o alertou: a canção original era "um pouquinho diferente".
— Depois dessa experiência com o Rubens, aviso antes de cantar: "Vocês vão ouvir Nervos de Aço um pouquinho diferente daquela que eu gravei, essa é a música que o autor fez" — explica o artista, que passou a cantar o verso "Ao lado de um tipo qualquer", como constava na letra original de Lupicínio, no lugar de "Nos braços de um outro qualquer". E mesmo depois de tantos anos da reparação, a história sempre vem antes de apresentá-la.
À moda antiga
Paulinho da Viola, que havia decidido que não faria shows enquanto não houvesse vacina para a covid-19, voltou a se apresentar no final de 2021, juntamente com o avanço da imunização e da queda de mortes no país, mas tendo como preocupação principal o cuidado com a saúde. E, até mesmo por isso, pensando em como a arte é crucial para o bem-estar da população, que ele decidiu que era hora de retornar para a estrada.
— Tudo o que acontecer neste ano tem outra importância, porque estamos atravessando um período muito longo, de uma pandemia, que afetou muito o setor artístico, além dessa política que está aí e tem prejudicado demais a Cultura. Então, é muito importante que as pessoas se conscientizem de que a arte e a cultura são essenciais — enfatiza Paulinho, que tinha uma turnê pela Europa agendada para 2020, mas que teve que abortar os seus planos devido à pandemia. — Um baque muito violento.
Desde que seu roteiro europeu foi cancelado, o cantor se isolou em casa e, destacando que a falta de contato humano "mexe muito com a gente", decidiu ocupar a cabeça arrumando seus discos, lendo, ouvindo mais músicas e falando com as pessoas por telefone, além de alguns projetos sem público — um deles, uma live, está disponível no Globoplay.
Apesar de já estar meio envolto no mundo digital, Paulinho ainda é um cavalheiro à moda antiga. Fã do vinil e do CD, sente saudade de poder ler as informações das músicas na contracapa da mídia física e prefere, sem pensar duas vezes, colocar um disco para rodar em um antigo aparelho de som que tem em casa, do que pegar o celular e colocar a música a rodar em um streaming.
— Não é o mesmo som — garante.
Ainda muito ligado com a maneira como aprendeu a fazer música, Paulinho se sente meio deslocado desse novo momento do mercado, em que os álbuns não são mais prioridade e que o físico perdeu espaço para o virtual. E esta mudança "que a gente não sabe muito bem onde vai parar" também causa a demora por canções novas — o seu último álbum totalmente de inéditas foi o Bebadosamba, de 1996. O sambista confessa que, por várias vezes, esteve prestes a entrar em um estúdio de um amigo para gravar composições novas, mas a falta de solidez que a internet promove o afasta.
— Você, para gravar, tem que reunir a turma, tem que ensaiar. Esse meu amigo me disse: "faz a base do violão e, depois, vai acrescentando". Eu não sei como seria isso. Eu nunca fiz. Eu gravo aqui, aí o outro toca de lá, o outro toca de casa. Eu não estou acostumado com isso — explica, relembrando que, antigamente, os músicos se reuniam no estúdio para criar e alterar o que fosse necessário ali mesmo. — É um processo de cada um e o meu era assim. É claro que não pode mais ser assim, mas eu espero, de alguma forma, poder reunir os músicos e fazer o trabalho desse jeito. E espero que seja esse ano.
80 anos de sonhos
Paulinho se diz "assustado" com os convites para projetos e entrevistas para celebrar as suas oito décadas de vida, que serão completadas em 12 de novembro deste ano. No momento, porém, ele confessa que não está pensando muito nisso, apenas deseja chegar lá. O maior anseio do artista é que o mundo consiga sair da situação pandêmica em que se encontra, apoiando-se na ciência e na vacinação da população. E garante:
— Eu estou muito bem.
Ele conta, entretanto, que o avançar da idade o fez parar de jogar futebol, o que fez até seus 50 e poucos anos, até que um dia disse para si mesmo "não, não tenho mais condições de fazer isso". Na marcenaria, hobby que sempre gostou, por lhe dar a oportunidade "de ficar meio recolhido, consertando coisas", deixou de se dedicar a coisas complicadas, como armários e cadeiras, por ser "impossível de fazer agora".
— Isso tudo tem um tempo, mas a minha saúde está legal. Tem as coisas da idade que é normal, mas estou tranquilo em relação a isso — conta, acrescentando que, por recomendação médica, começou a fazer academia. — Uma coisa que eu nunca imaginei na minha vida.
Ao ser questionado se o nome do seu show realmente deve ser levado ao pé da letra, Paulinho da Viola crava:
— Sempre se deve sonhar e nunca se deve abandonar esses sonhos.
Inclusive, ele conta que uma das músicas que está compondo e que ainda não terminou, dando um leve vislumbre da essência de sua obra inédita, fala justamente sobre este tema, como uma constatação. O músico explica que, na sua visão, "o tempo, de uma certa forma, recria o seu destino".
— Você imagina, projeta uma série de coisas, trabalha em função disso, mas o tempo cuida de mudar as circunstâncias. Você não pode brigar com esse grande senhor que é o tempo. Eu não brigo. A gente vai constatando que não se pode fazer tudo. Os sonhos, não são todos que você vai poder realizar, mas, nem por isso, você pode deixar de sonhar. Porque é isso, o dia em que você deixar de sonhar, acabou — relata o gênio sonhador.
Os ingressos para o show de Paulinho da Viola estão à venda na Sympla. As entradas adquiridas para datas anteriores, transferidas em razão da pandemia, seguem válidas e devem ser utilizadas nesta apresentação.