Lin-Manuel Miranda já foi definido (de forma não irônica!) como um William Shakespeare moderno — o que dá uma boa dimensão da maneira como seu talento vem sendo recebido.
Nova-iorquino de nascença e criação, mas com uma família com fortes e recentes raízes em Porto Rico, ele se aventura por diversos campos das artes: atua, escreve, canta, compõe. Mas é como letrista e rapper que seu gênio maravilha audiências e críticos, colocando-o lado a lado com os maiores poetas da língua inglesa.
Em uma carreira que foi ao mesmo tempo meteórica (graças ao sucesso instantâneo e sem precedentes do musical Hamilton), mas ao mesmo tempo lenta (ele levou sete anos para escrever o espetáculo, depois de estrear com o já aclamado In The Heights, que criou durante a faculdade), Miranda construiu um nome de respeito nos Estados Unidos e em boa parte do mundo anglófilo.
Aos 41 anos, por exemplo, suas quase duas décadas de carreira resultaram em um Pulitzer Prize, três Tony Awards, três Grammys e um Emmy nominais, sem contar as dezenas de prêmios conquistados por suas obras como um todo. Em 2017, Miranda chegou a ser indicado ao Oscar por melhor canção original — porém acabou perdendo para City of Stars, de La La Land, assinada por Justin Hurwitz, Benj Pasek e Justin Paul Double-dagger.
Ainda assim, seu trabalho seguiu relativamente desconhecido no Brasil. Em parte, é claro, devido às próprias barreiras linguísticas, que podem esconder o poder de suas rimas. Mas também por questões de disponibilidade: até pouco tempo atrás, eram poucos os brasileiros que podiam acessar um espetáculo da Broadway assinado e/ou protagonizado por ele.
O cenário, porém, já começou a mudar. Uma versão filmada do espetáculo Hamilton está atualmente disponível no catálogo da Disney+ e as legendas, faltantes à época do lançamento, já foram adicionadas ao serviço. Além disso, estreia nesta quinta-feira (17) nos cinemas nacionais Um Bairro de Nova York, adaptação do primeiro musical de Miranda.
Ou seja, é a hora perfeita para entender por que chamam o compositor latino e americano de um gênio do século 21. E, para quem só acredita ouvindo, GZH selecionou cinco canções que exemplificam o talento revolucionário de Lin-Manuel Miranda.
In The Heights (Em um Bairro de Nova York)
Lin-Manuel Miranda conta que, como descendente de imigrantes latinos, ele logo percebeu que não haveriam papéis para ele sob os holofotes da Broadway. Em vez de desistir, o letrista pegou seu lápis e decidiu escrever um papel para si mesmo e quem mais parecesse com ele. Assim, antes mesmo de se formar na faculdade, ele já havia começado a criar os primeiros contornos de In The Heights, um espetáculo que celebrava seu bairro (de imigrantes) em Nova York.
Em vez de focar em histórias de violência ou outros estereótipos, contudo, Miranda trouxe a comunidade latina como ele a conhecia: composta por donos de bodegas, de salões de beleza, taxistas e outros trabalhadores locais, cada qual com um sonho de mudar e melhorar de vida. É o tema central da abertura do show, que foi mantida na versão cinematográfica Em um bairro de Nova York, protagonizada por Anthony Ramos.
Apesar disso, após as primeiras reações da crítica especializada nos Estados Unidos, o filme gerou debate pela pouca diversidade afro-latina-americana. O próprio Miranda veio a público, lamentando que o filme caiu no colorismo, amplamente definido como preconceito ou discriminação contra tons de pele mais escuros dentro da mesma raça. "Ouvi dizer que, sem representação suficiente de afro-latinos de pele escura, o trabalho parece extrativo da comunidade que tanto queríamos representar com orgulho e alegria. Ao tentar pintar um mosaico dessa comunidade, não conseguimos", afirmou, em nota publicada nas redes sociais. Ele também garantiu que irá se dedicar "ao aprendizado e à evolução que todos temos que fazer para garantir que estamos honrando nossa comunidade diversificada e vibrante".
My Shot (Hamilton)
Hamilton, o musical, só funciona se a audiência acreditar que Hamilton, a pessoa, foi inacreditavelmente inteligente e com um talento único para combinar palavras em discursos apaixonados. Logo, não é das tarefas mais fáceis escrever uma canção que reflita esta mente.
Para Miranda, foi um ano inteiro de trabalho até chegar a My Shot, na qual, em versos impossivelmente rápidos, um imigrante caribenho explica de onde veio, seu desejo de lutar pelos Estados Unidos na revolução por independência do Reino Unido e seus medos e anseios em relação ao futuro da nação que nasceria ali. De certa forma, é esta a canção que dita o ritmo de toda a vida de Hamilton — assim como do restante do musical.
How Far I'll Go (Moana)
Miranda narra muitas vezes que seu desejo de escrever musicais nasceu ainda quando criança, enquanto ele assistia A Pequena Sereia em casa. Quis o destino que anos depois ele assinasse não apenas dois musicais de sucesso, mas também a trilha sonora de um filme da Disney: Moana.
E o compositor e letrista não apenas realizou um sonho de infância, como acabou sendo indicado ao Oscar de melhor canção original por uma de suas criações, intitulada How Far I'll Go. Para conseguir dar conta das nuances de Moana, uma menina que amava seu lar tanto quanto desejava desbravar o restante do mundo, Lin passou uma noite na casa dos pais, dormindo em seu próprio quarto de criança. Aparentemente, funcionou.
Jabba Flow (Star Wars: O Despertar da Força)
Parte do charme e encanto de Star Wars sempre residiu nas cantinas da galáxia, com seus tipos estapafúrdios aproveitando qualquer hora do dia ou da noite com bebidas, jogos e, é claro, música. Na estreia da mais nova trilogia, em 2015, o diretor J.J. Abrams escalou ninguém menos que Lin-Manuel para compor um novo hit para este universo - na verdade, segundo relato do próprio Miranda, ele quem se candidatou para o trabalho em uma noite que J.J. estava na plateia de Hamilton. Escrita na língua de Jabba, Lin descreveu a canção como um "huttese reggae" em entrevista ao Rotten Tomatoes.
Satisfied (Hamilton)
É possível voltar no tempo com uma canção? É o que Lin-Manuel fez com Satisfied, música do primeiro ato de Hamilton que narra o encontro do protagonista com Angélica Schulyer, seguindo o ponto de vista dela. A esta altura da narrativa, Hamilton está se casando com a irmã de Angélica, Eliza, mas logo fica claro que o desfecho não foi tão simples assim.
Provavelmente inspirada por Own My Own, de Os Miseráveis (um dos musicais preferidos de Miranda), Satisfied combina romance, pragmatismo e corações partidos. A intérprete Renee Elise Goldsberry conquistou o Tony de melhor atriz coadjuvante pelo papel e o próprio Miranda declarou que "nunca escreverá algo melhor, em toda sua vida".